Catequese sobre a Igreja - I |
Bento XVI |
Seg, 18 de Maio de 2009 22:28 |
Caro
Internauta, proponho a série de catequeses que o Santo Padre Bento
XVI está fazendo sobre a Igreja. Vale a pena segui-la: porque é
palavra do Sucessor de Pedro e pelo teólogo que o Santo Padre sempre
foi, preocupado sobretudo com problemas ligados à teologia da Igreja.
Queridos irmãos e irmãs:
Depois das catequeses sobre os salmos e os cânticos das Laudes e
Vésperas, quero dedicar os próximos encontros de quarta-feira ao
mistério da relação entre Cristo e a Igreja, considerando-o a partir
da experiência dos apóstolos, à luz da tarefa a eles confiada. A
Igreja foi constituída sobre o fundamento dos apóstolos como
comunidade de fé, de esperança e de caridade. Por meio dos apóstolos,
remontamo-nos ao próprio Jesus. A Igreja começou a constituir-se
quando alguns pescadores da Galiléia encontraram Jesus, deixaram-se
conquistar por seu olhar e, por sua voz, por seu convite cálido e
forte: «Vinde comigo e vos farei pescadores de homens» (Mc 1,17; Mt 4,19).
Meu querido predecessor, João Paulo II, propôs à Igreja, ao início
do terceiro milênio, contemplar o rosto de Cristo (cf. Novo millennio ineunte,
16ss). Movendo-me para essa direção, nas catequeses que hoje começo,
quero mostrar precisamente que a luz desse Rosto se reflete no rosto
da Igreja (cf. Lumen gentium, 1), apesar dos limites e das
sombras de nossa humanidade frágil e pecadora. Depois de Maria,
reflexo puro da luz de Cristo, os apóstolos, com sua palavra e
testemunho, entregam-nos a verdade de Cristo. Sua missão não está
isolada, marca-se dentro de um mistério de comunhão que envolve todo o
Povo de Deus e se realiza por etapas, da antiga à nova Aliança.
Neste sentido, há que dizer que se transforma totalmente a mensagem
de Jesus se ela é separada do contexto da fé e da esperança do povo
eleito: como o Batista, seu imediato precursor, Jesus dirige-se antes
de tudo a Israel (cf. Mt 15,24), para «reuni-lo» no tempo
escatológico que com ele chegou. E como sucedeu com a de João, a
pregação de Jesus é ao mesmo tempo um chamado de graça e um sinal de
contradição e de julgamento para todo o povo de Deus. Portanto, desde
o primeiro momento de sua atividade salvadora, Jesus de Nazaré tende
a reunir, a purificar o Povo de Deus. Ainda que sua pregação é
sempre um chamado à conversão pessoal, na realidade tende
continuamente a constituir o Povo de Deus que veio a reunir e a
salvar. Por este motivo, é unilateral e carece de fundamento a
interpretação individualista proposta pela teologia liberal do anúncio
feito por Cristo do Reino. Foi resumida, no ano 1900, pelo grande
teólogo liberal Adolf von Harnack em suas conferências sobre «O que é o
cristianismo?»: «O reino de Deus chega na medida em que chega a
homens concretos, encontra acesso em sua alma e estes o acolhem. O
reino de Deus é o senhorio de Deus, ou seja, o senhorio do Deus santo
nos diferentes corações» (Terceira Conferência, 100s). Na realidade,
este individualismo da teologia liberal é acentuado particularmente
na modernidade: na perspectiva da tradição bíblica e no horizonte do
judaísmo, no qual a obra de Jesus situa-se apesar de toda sua
novidade, fica claro que toda a missão do Filho feito carne tem uma
finalidade comunicativa: veio precisamente para unir a humanidade
dispersada, veio precisamente para reunir o Povo de Deus.
Um sinal evidente da intenção do Nazareno de reunir a comunidade da
Aliança para manifestar nela o cumprimento das promessas feitas aos
Padres, que sempre falam de convocação, de unificação, de unidade, é a
instituição dos Doze. Escutamos o Evangelho da instituição dos Doze.
Volto a ler agora a passagem central: «Subiu ao monte e chamou
os que ele quis; e foram até ele. Instituiu Doze, para que estivessem
com ele, e para enviá-los a pregar com poder de expulsar os
demônios. Instituiu os Doze...» (Mc 3,13-6; cf. Mt 10,1-4; Lc
6,12-16). No lugar da revelação, o «monte», Jesus com uma iniciativa
que manifesta absoluta consciência e determinação, constitui os Doze
para que sejam com Ele testemunhos e arautos da chegada do Reino de
Deus. Sobre o caráter histórico deste chamado não há lugar a dúvidas,
não só por motivo da antiguidade e multiplicidade de testemunhos,
mas também pelo simples motivo de que aparece o nome de Judas, o
apóstolo traidor, apesar das dificuldades que esta presença podia
implicar para a comunidade nascente. O número Doze, que evidentemente
faz referência às doze tribos de Israel, revela o significado de
ação profético-simbólica implícito na nova iniciativa de voltar a
fundar o povo santo. Após o ocaso do sistema das doze tribos, Israel
tinha esperança na reconstituição como sinal da chegada do tempo
escatológico (pode-se ler a conclusão do livro de Ezequiel: 37,15-19;
39,23-29; 40-48). Elegendo os Doze, e introduzindo-os em uma
comunhão de vida com ele e fazendo-os partícipes de sua própria
missão de anúncio do Reino, com palavras e obras (cf. Mc 6,7-13; Mt
10,5-8; Lc 9,1-6; Lc 6,13), Jesus quer dizer que chegou o tempo
definitivo no qual reconstitui o povo de Deus, o povo das doze
tribos, que se converte agora em um povo universal, sua Igreja.
Com sua própria existência, os Doze - chamados de origens diferentes
- convertem-se em um chamado para todo Israel a converter-se e a
deixar-se reunir na nova aliança, cumprimento pleno e perfeito da
antiga. Ao ter-lhes confiado a tarefa de celebrar seu memorial na
Ceia, antes da Paixão, Jesus mostra que queria transferir a toda a
comunidade na pessoa de seus líderes o mandato de ser, na história,
sinal e instrumento da reunião escatológica começada por Ele. Em
certo sentido, podemos dizer que precisamente a Última Ceia é o ato
de fundação da Igreja, pois se entrega a si mesmo e cria deste modo
uma nova comunidade, uma comunidade unida na comunhão com Ele mesmo.
Desde esta perspectiva, compreende-se que o Ressuscitado lhes confere
- com a efusão do Espírito - o poder de perdoar os pecados (cf. Jo
20,23). Os doze apóstolos são, deste modo, o sinal mais evidente da
vontade de Jesus sobre a existência e a missão de sua Igreja, a
garantia de que entre Cristo e a Igreja não há contraposição: são
inseparáveis, apesar dos pecados dos homens que compõem a Igreja. E,
portanto, não pode conciliar-se com as intenções de Cristo um slogan
que há alguns anos estava na moda: «Jesus sim, Igreja não». O Jesus
individualista é um Jesus fantasia. Não podemos encontrar Jesus sem a
realidade que Ele criou e na qual se comunica. Entre o Filho de Deus
feito carne e sua Igreja dá-se uma continuidade profunda,
inseparável e misteriosa, em virtude da qual Cristo faz-se presente hoje
em seu povo. Sempre é nosso contemporâneo, contemporâneo na Igreja,
construída sobre o fundamento dos apóstolos, está vivo na sucessão
dos apóstolos. E esta presença sua na comunidade, na qual Ele sempre
se nos dá, é o motivo de nossa alegria. Sim, Cristo está conosco, o
Reino de Deus vem.
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