sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Catequese sobre a Igreja - I

Catequese sobre a Igreja - I PDF Imprimir E-mail
Bento XVI
Seg, 18 de Maio de 2009 22:28
 
Caro Internauta, proponho a série de catequeses que o Santo Padre Bento XVI está  fazendo sobre a Igreja. Vale a pena segui-la: porque é palavra do Sucessor de Pedro e pelo teólogo que o Santo Padre sempre foi, preocupado sobretudo com problemas ligados à teologia da Igreja. 
Queridos irmãos e irmãs:
            Depois das catequeses sobre os salmos e os cânticos das Laudes e Vésperas, quero dedicar os próximos encontros de quarta-feira ao mistério da relação entre Cristo e a Igreja, considerando-o a partir da experiência dos apóstolos, à luz da tarefa a eles confiada. A Igreja foi constituída sobre o fundamento dos apóstolos como comunidade de fé, de esperança e de caridade. Por meio dos apóstolos, remontamo-nos ao próprio Jesus. A Igreja começou a constituir-se quando alguns pescadores da Galiléia encontraram Jesus, deixaram-se conquistar por seu olhar e, por sua voz, por seu convite cálido e forte: «Vinde comigo e vos farei pescadores de homens» (Mc 1,17; Mt 4,19). Meu querido predecessor, João Paulo II, propôs à Igreja, ao início do terceiro milênio, contemplar o rosto de Cristo (cf. Novo millennio ineunte, 16ss). Movendo-me para essa direção, nas catequeses que hoje começo, quero mostrar precisamente que a luz desse Rosto se reflete no rosto da Igreja (cf. Lumen gentium, 1), apesar dos limites e das sombras de nossa humanidade frágil e pecadora. Depois de Maria, reflexo puro da luz de Cristo, os apóstolos, com sua palavra e testemunho, entregam-nos a verdade de Cristo. Sua missão não está isolada, marca-se dentro de um mistério de comunhão que envolve todo o Povo de Deus e se realiza por etapas, da antiga à nova Aliança.  
            Neste sentido, há que dizer que se transforma totalmente a mensagem de Jesus se ela é separada do contexto da fé e da esperança do povo eleito: como o Batista, seu imediato precursor, Jesus dirige-se antes de tudo a Israel (cf. Mt 15,24), para «reuni-lo» no tempo escatológico que com ele chegou. E como sucedeu com a de João, a pregação de Jesus é ao mesmo tempo um chamado de graça e um sinal de contradição e de julgamento para todo o povo de Deus. Portanto, desde o primeiro momento de sua atividade salvadora, Jesus de Nazaré tende a reunir, a purificar o Povo de Deus. Ainda que sua pregação é sempre um chamado à conversão pessoal, na realidade tende continuamente a constituir o Povo de Deus que veio a reunir e a salvar. Por este motivo, é unilateral e carece de fundamento a interpretação individualista proposta pela teologia liberal do anúncio feito por Cristo do Reino. Foi resumida, no ano 1900, pelo grande teólogo liberal Adolf von Harnack em suas conferências sobre «O que é o cristianismo?»: «O reino de Deus chega na medida em que chega a homens concretos, encontra acesso em sua alma e estes o acolhem. O reino de Deus é o senhorio de Deus, ou seja, o senhorio do Deus santo nos diferentes corações» (Terceira Conferência, 100s). Na realidade, este individualismo da teologia liberal é acentuado particularmente na modernidade: na perspectiva da tradição bíblica e no horizonte do judaísmo, no qual a obra de Jesus situa-se apesar de toda sua novidade, fica claro que toda a missão do Filho feito carne tem uma finalidade comunicativa: veio precisamente para unir a humanidade dispersada, veio precisamente para reunir o Povo de Deus.  
            Um sinal evidente da intenção do Nazareno de reunir a comunidade da Aliança para manifestar nela o cumprimento das promessas feitas aos Padres, que sempre falam de convocação, de unificação, de unidade, é a instituição dos Doze. Escutamos o Evangelho da instituição dos Doze. Volto a ler agora a passagem central: «Subiu ao monte e chamou os que ele quis; e foram até ele. Instituiu Doze, para que estivessem com ele, e para enviá-los a pregar com poder de expulsar os demônios. Instituiu os Doze...» (Mc 3,13-6; cf. Mt 10,1-4; Lc 6,12-16). No lugar da revelação, o «monte», Jesus com uma iniciativa que manifesta absoluta consciência e determinação, constitui os Doze para que sejam com Ele testemunhos e arautos da chegada do Reino de Deus. Sobre o caráter histórico deste chamado não há lugar a dúvidas, não só por motivo da antiguidade e multiplicidade de testemunhos, mas também pelo simples motivo de que aparece o nome de Judas, o apóstolo traidor, apesar das dificuldades que esta presença podia implicar para a comunidade nascente. O número Doze, que evidentemente faz referência às doze tribos de Israel, revela o significado de ação profético-simbólica implícito na nova iniciativa de voltar a fundar o povo santo. Após o ocaso do sistema das doze tribos, Israel tinha esperança na reconstituição como sinal da chegada do tempo escatológico (pode-se ler a conclusão do livro de Ezequiel: 37,15-19; 39,23-29; 40-48). Elegendo os Doze, e introduzindo-os em uma comunhão de vida com ele e fazendo-os partícipes de sua própria missão de anúncio do Reino, com palavras e obras (cf. Mc 6,7-13; Mt 10,5-8; Lc 9,1-6; Lc 6,13), Jesus quer dizer que chegou o tempo definitivo no qual reconstitui o povo de Deus, o povo das doze tribos, que se converte agora em um povo universal, sua Igreja.  
            Com sua própria existência, os Doze - chamados de origens diferentes - convertem-se em um chamado para todo Israel a converter-se e a deixar-se reunir na nova aliança, cumprimento pleno e perfeito da antiga. Ao ter-lhes confiado a tarefa de celebrar seu memorial na Ceia, antes da Paixão, Jesus mostra que queria transferir a toda a comunidade na pessoa de seus líderes o mandato de ser, na história, sinal e instrumento da reunião escatológica começada por Ele. Em certo sentido, podemos dizer que precisamente a Última Ceia é o ato de fundação da Igreja, pois se entrega a si mesmo e cria deste modo uma nova comunidade, uma comunidade unida na comunhão com Ele mesmo. Desde esta perspectiva, compreende-se que o Ressuscitado lhes confere - com a efusão do Espírito - o poder de perdoar os pecados (cf. Jo 20,23). Os doze apóstolos são, deste modo, o sinal mais evidente da vontade de Jesus sobre a existência e a missão de sua Igreja, a garantia de que entre Cristo e a Igreja não há contraposição: são inseparáveis, apesar dos pecados dos homens que compõem a Igreja. E, portanto, não pode conciliar-se com as intenções de Cristo um slogan que há alguns anos estava na moda: «Jesus sim, Igreja não». O Jesus individualista é um Jesus fantasia. Não podemos encontrar Jesus sem a realidade que Ele criou e na qual se comunica. Entre o Filho de Deus feito carne e sua Igreja dá-se uma continuidade profunda, inseparável e misteriosa, em virtude da qual Cristo faz-se presente hoje em seu povo. Sempre é nosso contemporâneo, contemporâneo na Igreja, construída sobre o fundamento dos apóstolos, está vivo na sucessão dos apóstolos. E esta presença sua na comunidade, na qual Ele sempre se nos dá, é o motivo de nossa alegria. Sim, Cristo está conosco, o Reino de Deus vem.

Nenhum comentário:

Postar um comentário