Catequese sobre a Igreja - XXII |
Bento XVI |
Seg, 29 de Dezembro de 2008 19:47 |
Estêvão, o Protomártir
Depois
do tempo das festas voltamos às nossas catequeses. Eu tinha meditado
convosco sobre as figuras dos doze Apóstolos e de São Paulo. Depois
começámos a reflectir sobre as outras figuras da Igreja nascente e
assim hoje desejamos reflectir sobre a pessoa de Santo Estêvão,
festejado pela Igreja no dia seguinte ao Natal. Santo Estêvão é o mais
representativo de um grupo de sete companheiros. A tradição vê neste
grupo o germe do futuro ministério dos "diáconos", mesmo se é preciso
ressaltar que não se encontra esta denominação no Livro dos Actos. A
importância de Estêvão resulta contudo do facto que Lucas, neste seu
livro importante, lhe dedica dois capítulos inteiros.
A
narração de Lucas parte da constatação de uma subdivisão no interior
da Igreja primitiva de Jerusalém; ela era, sem dúvida, totalmente
composta por cristãos de origem hebraica, mas alguns deles eram
originários da terra de Israel e eram chamados "hebreus", enquanto
outros de fé hebraica veterotestamentária provinham da diáspora de
língua grega e eram chamados "helenistas".
Eis
o problema que se estava a delinear: os mais necessitados dos
helenistas, especialmente as viúvas privadas de qualquer apoio social,
corriam o risco de serem descuidadas na assistência para o
sustentamento quotidiano. Para resolver esta dificuldade os Apóstolos,
reservando para si a oração e o ministério da Palavra como sua tarefa
principal, decidiram encarregar "sete homens de boa reputação, cheios
do Espírito e de sabedoria" para que desempenhassem a tarefa da
assistência (Act 6, 2-4), ou seja, do serviço social caritativo. Para
esta finalidade, como escreve Lucas, a convite dos Apóstolos os
discípulos elegeram sete homens. Deles conhecemos também os nomes.
Eles são: "Estêvão, homem cheio de fé e do Espírito Santo, Filipe,
Prócuro, Nicanor, Timão, Parmenas e Nicolau de Antioquia. Foram
apresentados aos Apóstolos que, depois de orarem, lhes impuseram as
mãos" (Act 6, 5-6).
O
gesto da imposição das mãos pode ter vários significados. No Antigo
Testamento o gesto tem sobretudo o significado de transmitir um cargo
importante, como fez Moisés com Josué (cf. Nm 27, 18-23), designando
assim o seu sucessor. Nesta continuidade também a Igreja de Antioquia
utilizará este gesto para enviar Paulo e Barnabé em missão aos povos
do mundo (cf. Act 13, 3). A uma análoga imposição sobre Timóteo, para
lhe transmitir um cargo oficial, fazem referência as duas Cartas
paulinas a ele dirigidas (cf. 1 Tm 4, 14; 2 Tm 1, 6). Que se tratava
de uma acção importante, a ser realizada depois do discernimento,
deduz-se de quanto se lê na Primeira Carta a Timóteo: "Não imponhas
as mãos a ninguém precipitadamente, nem te tornes cúmplice de pecados
alheios" (5, 22). Por conseguinte vemos que o gesto da imposição das
mãos se desenvolve no seguimento de um sinal sacramental. No caso de
Estêvão e companheiros trata-se certamente da transmissão oficial, da
parte dos Apóstolos, de um cargo e ao mesmo tempo da imploração de uma
graça para o exercer.
O
mais importante que se deve fazer notar é que, além dos serviços
caritativos, Estêvão desempenha também uma tarefa de evangelização em
relação aos concidadãos, dos chamados "helenistas"; com efeito, Lucas
insiste sobre o facto de que ele, "cheio de graça e de fortaleza" (Act
6, 8), apresenta em nome de Jesus uma nova interpretação de Moisés e
da própria Lei de Deus, relê o Antigo Testamento à luz do anúncio da
morte e da ressurreição de Jesus. Esta releitura do Antigo Testamento,
releitura cristológica, provoca as reacções dos Judeus que
compreendem as suas palavras como uma blasfémia (cf. Act 6, 11-14). Por
esta razão ele é condenado à lapidação.
E
São Lucas transmite-nos o último discurso do santo, uma síntese da
sua pregação. Dado que Jesus tinha mostrado aos discípulos de Emaús
que todo o Antigo Testamento fala dele, assim Santo Estêvão, seguindo o
ensinamento de Jesus, lê todo o Antigo Testamento em chave
cristológica.
Demonstra
que o mistério da Cruz está no centro da história da salvação narrada
no Antigo Testamento, mostra que Jesus, o crucificado e ressuscitado,
é realmente o ponto de chegada de toda esta história. Portanto,
mostra também que o culto do templo terminou e que Jesus, o
ressuscitado, é o novo e verdadeiro "templo". Precisamente este "não"
ao templo e ao seu culto provoca a condenação de Santo Estêvão, o
qual, neste momento diz-nos São Lucas fixando o olhar no céu viu a
glória de Deus e Jesus que estava à sua direita. E vendo o céu, Deus e
Jesus, Santo Estêvão disse: "Olhai... eu vejo os Céus abertos e o
Filho do Homem de pé, à direita de Deus" (Act 7, 56). Segue-se o seu
martírio, que de facto é modelado sobre a paixão do próprio Jesus,
enquanto ele entrega ao "Senhor Jesus" o próprio espírito e reza para
que o pecado dos seus algozes não lhes seja atribuído (cf. Act 7,
59-60).
O
lugar do martírio de Estêvão em Jerusalém é tradicionalmente colocado
um pouco fora da Porta de Damasco, a norte, onde surge agora
precisamente a Igreja de Saint-Étienne ao lado da famosa École
Biblique dos Dominicanos. O assassínio de Estêvão, primeiro mártir de
Cristo, foi seguido por uma perseguição local contra os discípulos de
Jesus (cf. Act 8, 1), a primeira que se verificou na história da Igreja.
Ela constituiu a ocasião concreta que levou o grupo dos cristãos
judaico-helenistas a fugir de Jerusalém e a dispersar-se. Expulsos de
Jerusalém, eles transformaram-se em missionários itinerantes: "Os que
tinham sido dispersos foram de aldeia em aldeia, anunciando a palavra
da Boa Nova" (Act 8, 4). A perseguição e a consequente dispersão
tornam-se missão. O Evangelho propagou-se assim na Samaria, na Fenícia
e na Síria até à grande cidade de Antioquia, onde segundo Lucas ele
foi anunciado pela primeira vez também aos pagãos (cf. Act 11, 19-20) e
onde se ouviu pela primeira vez o nome de "cristãos" (Act 11, 26).
Em
particular, Lucas anota que os apedrejadores de Estêvão "depuseram as
capas aos pés de um jovem chamado Saulo" (Act 7, 58), o mesmo que,
sendo perseguidor, se tornará apóstolo insigne do Evangelho. Isto
significa que o jovem Saulo certamente ouviu a pregação de Estêvão, e
portanto conhecia os conteúdos principais. E São Paulo estava
provavelmente entre os que, seguindo e ouvindo este discurso, "se
encheram intimamente de raiva e rangeram os dentes contra Estêvão" (Act
7, 54). A este ponto podemos ver as maravilhas da Providência divina.
Saulo, adversário obstinado da visão de Estêvão, depois do encontro
com Cristo ressuscitado no caminho de Damasco, retoma a leitura
cristológica do Antigo Testamento feita pelo Protomártir, aprofunda-a e
completa-a, e assim torna-se o "Apóstolo das Nações". A Lei
cumpre-se, como ele ensina, na cruz de Cristo. E a fé em Cristo, a
comunhão com o amor de Cristo é o verdadeiro cumprimento de toda a
Lei. É este o conteúdo da pregação de Paulo. Ele demonstra assim que o
Deus de Abraão se torna o Deus de todos. E todos os crentes em Jesus
Cristo, como filhos de Abraão, se tornam partícipes das promessas. Na
missão de São Paulo cumpre-se a visão de Estêvão.
A
história de Estêvão diz-nos muitas coisas. Por exemplo, ensina-nos
que nunca se deve separar o compromisso social da caridade do anúncio
corajoso da fé. Era um dos sete encarregados sobretudo da caridade.
Mas não era possível separar caridade e anúncio. Assim, com a
caridade, anuncia Cristo crucificado, até ao ponto de aceitar também o
martírio. Esta é a primeira lição que podemos aprender da figura de
Santo Estêvão: caridade e anúncio caminham sempre juntos.
Sobretudo,
Santo Estêvão fala-nos de Cristo, do Cristo crucificado e
ressuscitado como centro da história e da nossa vida. Podemos
compreender que a Cruz permanece sempre central na vida da Igreja e
também na nossa vida pessoal. Na história da Igreja nunca faltarão a
paixão, a perseguição. E precisamente a perseguição torna-se, segundo a
célebre frase de Tertuliano, fonte de missão para os novos cristãos.
Cito as suas palavras: "Nós multiplicamo-nos todas as vezes que somos
ceifados por vós: o sangue dos cristãos é semente" (Apologetico 50,
13: Plures efficimur quoties metimur a vobis: semen est sanguis
christianorum). Mas também na nossa vida a cruz, que jamais faltará, se
torna bênção. E aceitando a cruz, sabendo que ela se torna e é bênção,
aprendemos a alegria do cristão também nos momentos de dificuldade. O
valor do testemunho é insubstituível, porque a ela conduz o Evangelho
e dela se alimenta a Igreja. Santo Estêvão ensina-nos a valorizar
esta lição, ensina-nos a amar a Cruz, porque ela é o caminho pelo qual
Cristo vem sempre de novo entre nós.
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