Catequese sobre a Igreja - V |
Bento XVI |
Seg, 18 de Maio de 2009 22:26 |
Queridos irmãos e irmãs,
Obrigado
por vosso afeto! Na nova série de catequese começada há pouco,
tentamos compreender o desígnio originário da Igreja querida pelo
Senhor para compreender melhor nossa participação, nossa vida cristã,
na grande comunhão da Igreja. Até agora, compreendemos que a
comunhão eclesial é suscitada e sustentada pelo Espírito Santo,
custodiada e promovida pelo ministério apostólico. E esta comunhão, a
qual chamamos de Igreja, não se estende só a todos os crentes de um
certo momento histórico, mas abraça também os de todos os tempos e de
todas as gerações. Portanto, encontramo-nos perante uma dupla
universalidade: a universalidade sincrônica - estamos unidos com os
crentes em todas as partes do mundo - e a universalidade chamada
diacrônica, ou seja, pertencem a nós todos os tepos: os crentes do
passado e os crentes do futuro formam conosco uma única e grande
comunhão.
O Espírito apresenta-se como a garantia da presença ativa do
Mistério no curso da história, assegurando sua realização através dos
séculos. Graças ao Paráclito, a experiência do Ressuscitado, feita
pela comunidade apostólica nas origens da Igreja, poderá ser vivida
sempre pelas gerações sucessivas, na medida em que é transmitida e
atualizada na fé, no culto e na comunhão do Povo de Deus, peregrino
no tempo. E, deste modo, nós, agora, no tempo pascal, vivemos o
encontro com o Ressuscitado não só como algo do passado, mas na
comunhão presente da fé, da liturgia, da vida da Igreja. A Tradição
apostólica da Igreja consiste nesta transmissão dos bens da salvação,
que faz da comunidade cristã a atualização permanente da comunhão
originária, com a força do Espírito. É chamada deste modo (Tradição
apostólica) porque nasceu do testemunho dos apóstolos e da comunidade
dos discípulos no tempo das origens, foi entregue sob a guia do
Espírito Santo nos escritos do Novo Testamento e na vida sacramental,
na vida da fé, e a Igreja faz referência continuamente a ela - a
esta Tradição que é a realidade sempre atual do dom de Jesus - como
seu fundamento e sua norma através da sucessão sem interrupção do
ministério apostólico.
Em sua vida histórica, Jesus limitava sua missão à casa de Israel,
mas já dava a entender que o dom estava destinado não só ao povo de
Israel, mas a todo o mundo e a todos os tempos. O Ressuscitado confia
depois explicitamente aos apóstolos (cf. Lc 6,13) a tarefa de fazer
discípulos todas as nações, garantindo sua presença e sua ajuda até o
final dos tempos (cf. Mt 28,19ss). A universidade da salvação exige,
entre outras coisas, que o memorial da Páscoa seja celebrado sem
interrupção na história até o regresso glorioso de Cristo (cf. 1Cor
11,26). Quem atualizará a presença salvífica do Senhor Jesus,
mediante o ministério dos apóstolos - chefes do Israel escatológico
(cf. Mt 19,28) - e de toda a vida do povo da nova aliança? A resposta
está clara: o Espírito Santo. Os Atos dos Apóstolos - continuando
com o desígnio do Evangelho de Lucas - apresentam ao vivo a
compenetração entre o Espírito, os enviados de Cristo e a comunidade
por eles reunida. Graças à ação do Paráclito, os apóstolos e seus
sucessores podem realizar no tempo a missão recebida do Ressuscitado:
«Vós sois testemunhas disso. Eis que eu vos enviarei o que meu Pai
prometeu...» (Lc 24,48 ss). «Recebereis a força do Espírito Santo, que
virá sobre vós, e sereis minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a
Judéia e Samaria, e até os confins da terra» (At 1,8). E esta promessa, ao início incrível, já se realizou no tempo dos apóstolos: «Nós somos testemunhas destas coisas, e também o Espírito Santo que deu Deus aos que lhe obedecem» (At 5,32).
Portanto, é o próprio Espírito que, por meio da imposição das mãos e
da oração dos apóstolos, consagra e envia os novos missionários do
Evangelho (p. ex. At 13,3ss; 1Tm 4,14). É interessante observar que,
enquanto em algumas passagens diz-se que Paulo estabelece os
presbíteros nas Igrejas (cf. At 14,23), em outras se afirma que é o
Espírito Santo quem constitui os pastores do rebanho (cf. At 20,28). A
ação do Espírito e a de Paulo estão deste modo profundamente
compenetradas. Na hora das decisões solenes para a vida da Igreja, o
Espírito está presente para guiá-la. Esta presença-guia do Espírito
Santo experimenta-se particularmente no Concílio de Jerusalém, em
cujas palavras conclusivas ressoa a afirmação: «decidimos o Espírito Santo e nós...» (At 15,28); a Igreja cresce e caminha «no temor do Senhor e estava cheia da consolação do Espírito Santo» (At 9,31).
Esta permanente atualização da presença ativa do Senhor Jesus em seu
povo, realizada pelo Espírito Santo e expressada na Igreja por meio
do ministério apostólico e da comunhão fraterna, é o que em sentido
teológico entende-se com o termo Tradição: não é a mera transmissão
material do que foi entregue ao início aos apóstolos, mas a presença
eficaz do Senhor Jesus, crucificado e ressuscitado, que acompanha e
guia no Espírito a comunidade reunida por ele.
A Tradição é a comunhão dos fiéis ao redor dos legítimos pastores no
transcurso da história, uma comunhão que o Espírito Santo alimenta
assegurando o nexo entre a experiência da fé apostólica, vivida na
comunidade originária dos discípulos e a experiência atual de Cristo
em sua Igreja. Em outras palavras, a Tradição é a continuidade
orgânica da Igreja, Templo santo de Deus Pai, edificado sobre o
fundamento do Espírito: «Assim, pois, já não sois estranhos nem
forasteiros, mas concidadãos dos santos e familiares de Deus,
edificados sobre o fundamento dos apóstolos e profetas, sendo a pedra
angular o próprio Cristo, em quem toda a edificação bem travada
eleva-se até formar um templo santo no Senhor, em quem também vós
estais sendo juntamente edificados, até ser morada de Deus no
Espírito» (Ef 2,19-22). Graças à Tradição, garantida pelo
ministério dos apóstolos e seus sucessores, a água da vida surgida do
lado de Cristo e seu sangue salvador chega às mulheres e aos homens de
todos os tempos. Deste modo, a Tradição é a presença permanente do
Salvador que nos sai ao encontro, redime-nos e santifica no Espírito
por meio do ministério de sua Igreja para glória do Pai.
Concluindo e resumindo, podemos, portanto, dizer que a Tradição não é
a transmissão de coisas ou de palavras, uma coleção de coisas
mortas. A Tradição é o rio vivo que nos une às origens, o rio vivo no
qual as origens sempre estão presentes. O grande rio que nos leva à
porta da eternidade. Neste rio vivo realiza-se sempre de novo a
palavra do Senhor, que escutamos ao início dos lábios do leitor: «Eis aqui que eu estou convosco todos os dias até o fim do mundo» (Mt 28,20).
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