Catequese sobre a Igreja - XIII |
Bento XVI |
Seg, 18 de Maio de 2009 22:22 |
Tiago, o Menor
Ao
lado da figura de Tiago "o Maior", filho de Zebedeu, do qual falámos
na quarta-feira passada, nos Evangelhos aparece outro Tiago, que é
chamado "o Menor". Também ele faz parte das listas dos doze Apóstolos
escolhidos pessoalmente por Jesus, e é sempre especificado como "filho
de Alfeu" (cf. Mt 10, 3; Mc 3, 18; Lc 5; Act 1, 13). Com frequência
ele foi identificado com outro Tiago, chamado "o Menor" (cf. Mc 15,
40), filho de uma Maria (cf. ibid.) que poderia ser a "Maria de
Cleofas" presente, segundo o Quarto Evangelho, aos pés da Cruz
juntamente com a Mãe de Jesus (cf. Jo 19, 25). Também ele era originário
de Nazaré e provavelmente parente de Jesus (cf. Mt 13, 55; Mc 6, 3),
do qual à maneira semítica é considerado "irmão" (cf. Mc 6, 3; Gl 1,
19).
Deste
último Tiago, o livro dos Actos ressalta o papel preeminente
desempenhado na Igreja de Jerusalém. No Concílio apostólico ali
celebrado depois da morte de Tiago, o Maior, afirmou juntamente com os
outros que os pagãos podiam ser acolhidos na Igreja sem antes terem
que se submeter à circuncisão (cf. Act 15, 13). São Paulo, que lhe
atribui uma aparição específica do Ressuscitado (cf. 1 Cor 15, 7), na
ocasião da sua ida a Jerusalém nomeia-o inclusivamente antes de
Cefas-Pedro, qualificando-o "coluna" daquela Igreja como ele (cf. Gl 2,
9). Em seguida, os judeus-cristãos consideram-no o seu principal ponto
de referência. A ele é também atribuída a Carta que tem o nome de
Tiago e que está incluída no cânone neotestamentário. Ele não se
apresenta nela como "irmão do Senhor", mas como "servo de Deus e do
Senhor Jesus Cristo" (Tg 1, 1).
Entre
os estudiosos debate-se a questão da identificação destas duas
personagens com o mesmo nome, Tiago filho de Alfeu e Tiago "irmão do
Senhor". As tradições evangélicas não nos conservaram narração alguma
sobre um nem sobre outro em referência ao período da vida terrena de
Jesus. Os Actos dos Apóstolos, ao contrário, mostram-nos que um
"Tiago" desempenhou um papel importante, como já mencionámos, depois
da ressurreição de Jesus, na Igreja primitiva (cf. Act 12, 17; 15,
13-21; 21, 18).
O
acto mais relevante por ele realizado foi a intervenção na questão do
relacionamento difícil entre os cristãos de origem judaica e os de
origem pagã: nisto ele contribuiu juntamente com Pedro para superar,
ou melhor, para integrar a dimensão originária judaica do cristianismo
com a exigência de não impor aos pagãos convertidos a obrigação de se
submeterem a todas as normas da lei de Moisés. O livro dos Actos
preservou-nos a solução de compromisso, proposta precisamente por
Tiago e aceite por todos os Apóstolos presentes, segundo o qual aos
pagãos que acreditassem em Jesus Cristo se devia pedir apenas que se
abstivessem do uso idolátrico de comer carne dos animais oferecidos em
sacrifício aos deuses, e da "impudicícia", palavra que provavelmente se
referia às uniões matrimoniais não consentidas. Na prática,
tratava-se de aderir só a poucas proibições, consideradas bastante
importantes, da legislação mosaica.
Deste
modo, obtiveram-se dois resultados significativos e complementares,
ambos ainda hoje válidos: por um lado, reconheceu-se a relação
inseparável que une o cristianismo à religião hebraica como a sua
marca perenemente viva e válida; por outro, foi concedido que os
cristãos de origem pagã conservassem a própria identidade sociológica,
que teriam perdido se tivessem sido obrigados a observar os chamados
"preceitos cerimoniais" mosaicos: eles já não deviam ser considerados
obrigatórios para os pagãos convertidos. Em suma, era iniciada uma
prática de estima e respeito recíprocos que, não obstante lamentáveis
incompreensões posteriores, tinha por sua natureza a salvaguarda de tudo
o que caracterizava cada uma das duas partes.
A
informação mais antiga sobre a morte deste Tiago é-nos oferecida pelo
historiador judeu Flávio José. Nas suas Antiguidades Judaicas (20,
201s), redigidas em Roma por volta do século I, ele narra que o fim de
Tiago foi decidido por uma iniciativa ilegítima do Sumo Sacerdote
Anano, filho de Annas afirmado nos Evangelhos, o qual aproveitou do
intervalo entre a deposição de um Procurador romano (Festo) e a
chegada do sucessor (Albino) para decretar a sua lapidação no ano 62.
Em
nome deste Tiago, além do apócrifo Protoevangelho de Tiago, que
exalta a santidade e a virgindade de Maria, Mãe de Jesus, está
particularmente relacionada com a Carta que tem o seu nome. No cânone
do Novo Testamento ela ocupa o primeiro lugar entre as chamadas
"Cartas católicas", isto é, destinadas não a uma só Igreja particular
como Roma, Éfeso, etc. mas a muitas Igrejas. Trata-se de um escrito
bastante importante, que insiste muito sobre a necessidade de não
reduzir a própria fé a uma mera declaração verbal ou abstracta, mas de
expressá-la concretamente em obras de bem. Entre outras coisas, ele
convida-nos à constância nas provas alegremente aceites e à oração
confiante para obter de Deus o dom da sabedoria, graças à qual
chegamos à compreensão de que os verdadeiros valores da vida não
consistem nas riquezas transitórias, mas antes em saber compartilhar
as próprias substâncias com os pobres e com os necessitados (cf. Tg 1,
27).
Assim
a carta de São Tiago mostra-nos um cristianismo muito concreto e
prático. A fé deve realizar-se na vida, sobretudo no amor ao próximo e
particularmente no compromisso pelos pobres. É com esta base que deve
ser lida também a famosa frase: "Assim como o corpo sem alma está
morto, assim também a fé sem obras está morta" (Tg 2, 26). Por vezes
esta declaração de Tiago foi contraposta às afirmações de Paulo,
segundo o qual nós somos tornados por Deus justos não em virtude das
nossas obras, mas graças à nossa fé (cf. Gl 2, 16; Rm 3, 28). Contudo,
as duas frases, aparentemente contraditórias com as suas perspectivas
diversas, na realidade, se forem bem interpretadas, completam-se. São
Paulo opõe-se ao orgulho do homem que pensa que não precisa do amor de
Deus que nos antecipa, opõe-se ao orgulho da autojustificação sem a
graça simplesmente doada e não merecida. Ao contrário, São Tiago fala
das obras como fruto normal da fé: "a árvore boa dá bons frutos", diz o
Senhor (Mt 7, 17). E São Tiago repete e transmite-nos este conceito.
Por fim, a carta de Tiago exorta-nos a abandonarmo-nos nas mãos de
Deus em tudo o que fazemos, pronunciando sempre as palavras: "Se o
Senhor quiser" (Tg 4, 15). Assim, ele ensina-nos a não presumir que
planificamos a nossa vida de modo autónomo e interessado, mas a dar
espaço à vontade imperscrutável de Deus, que conhece o verdadeiro bem
para nós. Desta forma São Tiago permanece um mestre de vida sempre
actual para cada um de nós. |
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