Catequese sobre a Igreja - XV |
Bento XVI |
Seg, 18 de Maio de 2009 22:20 |
Mateus
Prosseguindo
a série de retratos dos doze Apóstolos, que começámos há algumas
semanas, hoje detemo-nos em Mateus. Na verdade, apresentar
completamente a sua figura é quase impossível, porque as notícias que
lhe dizem respeito são poucas e fragmentadas. Mas o que podemos fazer,
não é tanto um esboço da sua biografia, mas ao contrário o perfil que
o Evangelho transmite.
Entretanto,
ele está sempre presente nos elencos dos Doze escolhidos por Jesus
(cf. Mt 10, 3; Mc 3, 18; Lc 6, 15; Act 1, 13). O seu nome hebraico
significa "dom de Deus". O primeiro Evangelho canónico, que tem o seu
nome, apresenta-no-lo no elenco dos Doze com uma qualificação bem
clara: "o publicano" (Mt 10, 3). Desta forma ele é identificado com o
homem sentado no banco dos impostos, que Jesus chama ao seu
seguimento: "Partindo dali, Jesus viu um homem chamado Mateus,
sentado no posto de cobrança, e disse-lhe: "Segue-me!". Ele
levantou-se e seguiu-o" (Mt 9, 9). Também Marcos (cf. 2, 13-17) e Lucas
(cf. 5, 27-30) narram a chamada do homem sentado no posto de cobrança,
mas chamam-no "Levi". Para imaginar o cenário descrito em Mt 9, 9 é
suficiente recordar a magnífica tela de Caravaggio, conservada aqui em
Roma na Igreja de São Luís dos Franceses. Dos Evangelhos sobressai um
ulterior pormenor biográfico: no trecho que precede imediatamente a
narração da chamada é referido um milagre realizado por Jesus em
Cafarnaum (cf. Mt 9, 1-8; Mc 2, 1-12) e é mencionada a proximidade do
Mar da Galileia, isto é do Lago de Tiberíades (cf. Mc 2, 13-14). Disto
pode deduzir-se que Mateus desempenhasse a função de cobrador em
Cafarnaúm, situada precisamente "à beira-mar" (Mt 4, 13), onde Jesus
era hóspede fixo na casa de Pedro.
Com
base nestas simples constatações que resultam do Evangelho podemos
fazer algumas reflexões. A primeira é que Jesus acolhe no grupo dos
seus íntimos um homem que, segundo as concepções em vigor na Israel
daquele tempo, era considerado um público pecador. De facto, Mateus
não só administrava dinheiro considerado impuro devido à sua
proveniência de pessoas estranhas ao povo de Deus, mas colaborava
também com uma autoridade estrangeira odiosamente ávida, cujos
tributos podiam ser determinados também de modo arbitrário. Por estes
motivos, mais de uma vez os Evangelhos falam unitariamente de
"publicanos e pecadores" (Mt 9, 10; Lc 15, 1), de "publicanos e
prostitutas" (Mt 21, 31). Além disso eles vêem nos publicanos um
exemplo de mesquinhez (cf. Mt 5, 46: amam os que os amam) e mencionam
um deles, Zaqueu, como "chefe dos publicanos e rico" (Lc 19, 2),
enquanto a opinião popular os associava a "ladrões, injustos,
adúlteros" (Lc 18, 11). É ressaltado um primeiro dado com base nestes
elementos: Jesus não exclui ninguém da própria amizade. Ao contrário,
precisamente porque se encontra à mesa em casa de Mateus-Levi, em
resposta a quem falava de escândalo pelo facto de ele frequentar
companhias pouco recomendáveis, pronuncia a importante declaração:
"Não são os que têm saúde que precisam de médico, mas sim os enfermos.
Eu não vim chamar os justos, mas os pecadores" (Mc 2, 17).
O
bom anúncio do Evangelho consiste precisamente nisto: na oferenda da
graça de Deus ao pecador! Noutro texto, com a célebre parábola do
fariseu e do publicano que foram ao Templo para rezar, Jesus indica
inclusivamente um anónimo publicano como exemplo apreciável de
confiança humilde na misericórdia divina: enquanto o fariseu se
vangloria da própria perfeição moral, "o cobrador de impostos... nem
sequer ousava levantar os olhos para o céu, mas batia no peito, dizendo:
"Ó Deus, tem piedade de mim, que sou pecador"". E Jesus comenta:
"Digo-vos: Este voltou justificado para sua casa, e o outro não.
Porque todo aquele que se exalta será humilhado, e quem se humilha
será exaltado" (Lc 18, 13-14). Na figura de Mateus, portanto, os
Evangelhos propõem-nos um verdadeiro e próprio paradoxo: quem
aparentemente está afastado da santidade pode até tornar-se um modelo
de acolhimento da misericórdia de Deus e deixar entrever os seus
maravilhosos efeitos na própria existência. Em relação a isto, São
João Crisóstomo faz uma significativa anotação: ele observa que só na
narração de algumas chamadas se menciona o trabalho que as pessoas em
questão desempenhavam. Pedro, André, Tiago e João são chamados quando
estão a pescar, Mateus precisamente quando cobra os impostos. Trata-se
de trabalhos de pouca importância comenta Crisóstomo "porque não há
nada mais detestável do que um cobrador de impostos e nada de mais
comum do que a pesca" (In Matth. Hom.: PL 57, 363). A chamada de Jesus
chega portanto também a pessoas de baixo nível social, enquanto
desempenham o trabalho quotidiano.
Outra
reflexão, que provém da narração evangélica, é que à chamada de
Jesus, Mateus responde imediatamente: "ele levantou-se e seguiu-o". A
condensação da frase ressalta claramente a prontidão de Mateus ao
responder à chamada. Isto significava para ele o abandono de todas as
coisas, sobretudo do que lhe garantia uma fonte de lucro seguro, mesmo
se muitas vezes injusto e desonesto. Evidentemente Mateus compreendeu
que a familiaridade com Jesus não lhe permitia perseverar em
actividades desaprovadas por Deus. Intuiu-se facilmente a aplicação ao
presente: também hoje não é admissível o apego a coisas
incompatíveis com o seguimento de Jesus, como é o caso das riquezas
desonestas. Certa vez Ele disse sem meios-termos: "Se queres ser
perfeito, vai, vende o que tens, dá o dinheiro aos pobres e terás um
tesouro no Céu; depois, vem e segue-me" (Mt 19, 21). Foi precisamente
isto que Mateus fez: levantou-se e seguiu-o! Neste "levantar-se" é
legítimo ver o abandono de uma situação de pecado e ao mesmo tempo a
adesão consciente a uma existência nova, recta, na comunhão com Jesus.
Por
fim, recordamos que a tradição da Igreja antiga concorda na
atribuição a Mateus da paternidade do primeiro Evangelho. Isto
acontece já a partir de Papias, Bispo de Hierápoles na Frígia por
volta do ano 130. Ele escreve: "Mateus reuniu as palavras (do Senhor)
em língua hebraica, e cada um as interpretou como podia" (em Eusébio
de Cesareia, Hist. eccl. III, 39, 16).
O
historiador Eusébio acrescenta esta notícia: "Mateus, que primeiro
tinha pregado aos hebreus, quando decidiu ir também a outros povos
escreveu na sua língua materna o Evangelho por ele anunciado; assim,
procurou substituir com a escrita, junto daqueles dos quais se
separava, aquilo que eles perdiam com a sua partida" (ibid., III, 24,
6). Já não temos o Evangelho escrito por Mateus em hebraico ou em
aramaico, mas no Evangelho grego que ainda continuamos a ouvir, de
certa forma, a voz persuasiva do publicano Mateus que, tendo-se tornado
Apóstolo, continua a anunciar-nos a misericórdia salvadora de Deus e
ouvimos esta mensagem de São Mateus, meditámo-la sempre de novo para
aprender também nós a levantar-nos e a seguir Jesus com determinação.
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