Catequese sobre a Igreja - VI |
Bento XVI |
Seg, 18 de Maio de 2009 22:25 |
Queridos irmãos e irmãs:
Nestas
catequeses queremos compreender um pouco o que é a Igreja. Da última
vez meditamos no tema da Tradição apostólica. Vimos que ela não é uma
coleção de coisas, de palavras, como uma caixa de coisas mortas; a
Tradição é o rio da vida nova que procede das origens, de Cristo até
nós, e nos faz participar da história de Deus com a humanidade. Este
tema da Tradição é tão importante que quero voltar a me deter hoje
nele: de fato, é de grande importância para a vida da Igreja.
O
Concílio Vaticano II constatou, neste sentido, que a Tradição é
apostólica antes de tudo em suas origens: “Dispôs Deus benignamente
que tudo o que havia revelado para a salvação dos homens permanecesse
íntegro para sempre e se fosse transmitindo a todas as gerações. Por
isso, Cristo Senhor, em quem se consuma a revelação total do Deus sumo
(Cf. 2Cor 1,20; 3,16,4-6), mandou aos apóstolos que pregassem a todos
os homens o Evangelho, comunicando-lhes os dons divinos. Este
Evangelho, prometido antes pelos profetas, completou-o Ele e o
promulgou com sua própria boca, como fonte de toda a verdade salvadora e
da ordem dos costumes” (Dei Verbum, 7). O Concílio segue
assinalando que este mandato foi cumprido fielmente “pelos apóstolos,
que na sua pregação oral, com seus exemplos da vida e com as
instituições por eles criadas, transmitiram o que haviam recebido dos
lábios, da convivência e pelas obras de Cristo, ou haviam aprendido
por inspiração do Espírito Santo” (DV 7). Com os apóstolos, acrescenta
o Concílio, colaboraram também “homens apostólicos que, sob a
inspiração do mesmo Espírito, escreveram a mensagem da salvação” (DV
7).
Chefes
do Israel escatológico - eles também eram Doze, como as tribos do
povo eleito -, os apóstolos continuam a «reunião» começada pelo Senhor
e o fazem antes de tudo transmitindo fielmente o dom recebido, a boa
nova do Reino que chegou aos homens com Jesus Cristo. Seu número não
só expressa a continuidade com a Santa Raiz, o Israel das doze tribos,
mas também o destino universal de seu ministério, que leva a salvação
até os confins da terra. Expressa isso o valor simbólico que têm os
números no mundo semítico: doze resulta da multiplicação de três,
número perfeito, por quatro, número que faz referência aos quatro
pontos cardeais, portanto, a todo o mundo.
A
comunidade, nascida do anúncio evangélico, sente-se convocada pela
palavra dos primeiros que fizeram a experiência do Senhor e que foram
enviados por Ele. Sabe que pode contar com a guia dos Doze, assim como
com a guia dos que mais tarde se associam como sucessores no
ministério da Palavra e no serviço à comunhão. Portanto, a comunidade
sente-se comprometida a transmitir aos demais a “alegre notícia” da
presença atual do Senhor e de seu mistério pascal, que age no
Espírito. Isto é sublinhado em algumas passagens das cartas de São
Paulo: “Transmiti-vos, em primeiro lugar, o que por minha vez recebi”
(1Cor 15,3). E isto é importante. Como se sabe, São Paulo,
originalmente chamado por Cristo com uma vocação pessoal, é um
autêntico apóstolo e, contudo, também em seu caso o que conta
fundamentalmente é a fidelidade ao que recebeu. Não queria “inventar”
um novo cristianismo, por assim dizer, “paulino”. Por isso, insiste:
“Transmiti-vos o que por minha vez recebi”. Transmitiu o dom inicial
que procede do Senhor, pois o que salva é a verdade. Depois, para com o
final de sua vida, escreve a Timóteo: “Conserva o bom depósito
mediante o Espírito Santo que habita em nós”. (2Tm 1,14).
Mostra-o
com eficácia também este antigo testemunho da fé cristã, escrito por
Tertuliano para o ano 200: “Os apóstolos ao princípio afirmaram a fé
em Jesus Cristo e estabeleceram Igrejas para a Judéia e, imediatamente
depois, espalhados pelo mundo, anunciaram a mesma doutrina e uma
mesma fé às nações e assim fundaram Igrejas em cada cidade. Destas,
depois, as Igrejas tomaram a ramificação de sua fé e as sementes da
doutrina, e continuamente a tomam para ser precisamente Igrejas. Deste
modo, também elas são consideradas apostólicas, como descendência das
Igrejas e dos apóstolos” (De praescriptione haereticorum, 20: PL 2, 32).
O
Concílio Vaticano II comenta: “O que ensinaram os apóstolos encerra
todo o necessário para que o Povo de Deus viva santamente e aumente
sua fé, e desta forma a Igreja, em sua doutrina, em sua vida e em seu
culto, perpetua e transmite a todas as gerações tudo o que ela é, tudo
o que crê” (DV 8). A Igreja transmite tudo o que é e todo o que crê,
transmite-o no culto, na vida, na doutrina. A Tradição é, portanto, o
Evangelho vivo, anunciado pelos apóstolos em sua integridade, em
virtude da plenitude de sua experiência única e irrepetível: por sua
obra a fé é comunicada aos demais, até chegar a nós, até o fim do
mundo. A Tradição, portanto, é a história do Espírito que atua na
história da Igreja por meio da mediação dos apóstolos e de seus
sucessores, em continuidade fiel com a experiências das origens. É o
que explica o Papa São Clemente de Roma, no final do século I: “Os
apóstolos – escreve - anunciaram-nos o Evangelho enviados pelo Senhor
Jesus Cristo; Jesus Cristo foi enviado por Deus. Cristo provém,
portanto, de Deus, os apóstolos de Cristo: ambos procedem
ordenadamente da vontade de Deus... Nossos apóstolos souberam através
do Senhor nosso, Jesus Cristo, que surgiriam contendas em torno à
função episcopal. Por isso, prevendo perfeitamente o futuro,
estabeleceram os eleitos e lhes ordenaram que à sua morte outros homens
de provada virtude assumissem seu serviço” (Ad Corinthios, 42.44:PG 1, 292.296).
Esta
corrente do serviço continua até nossos dias, continuará até o final
do mundo. De fato, a missão conferida por Jesus aos apóstolos foi
transmitida por eles a seus sucessores. Mais além da experiência do
contato pessoal com Cristo, experiência única e irrepetível, os
apóstolos transmitiram aos sucessores o envio solene ao mundo recebido
do Mestre. A palavra apóstolo procede precisamente do termo grego
“apostéllein”, que quer dizer enviar. O envio apostólico - como mostra
o texto de Mt 28,19ss - implica um serviço pastoral (“Fazei
discípulos todos os povos”), litúrgico (“batizando-os”) e profético
(“ensinando-lhes a guardar tudo o que eu vos mandei”), garantido pela
proximidade do Senhor até a consumação dos séculos (“Eu estou convosco
todos os dias até o fim do mundo”).
Assim,
de maneira diferente dos apóstolos, também nós temos uma autêntica e
pessoal experiência da presença do Senhor ressuscitado. Por meio do
ministério apostólico, o próprio Cristo chega até quem é chamado à fé,
superando a distância de séculos, entregando-se a nós, vivo e
operante, no hoje da Igreja e do mundo. Esta é nossa grande alegria.
No rio vivo da Tradição Cristo não fica distante, distante dois mil
anos, mas está realmente presente entre nós e nos dá a Verdade, dá-nos
a luz que faz viver e encontrar o caminho para o futuro.
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