sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Catequese sobre a Igreja - VI

Catequese sobre a Igreja - VI PDF Imprimir E-mail
Bento XVI
Seg, 18 de Maio de 2009 22:25

Queridos irmãos e irmãs:  
Nestas catequeses queremos compreender um pouco o que é a Igreja. Da última vez meditamos no tema da Tradição apostólica. Vimos que ela não é uma coleção de coisas, de palavras, como uma caixa de coisas mortas; a Tradição é o rio da vida nova que procede das origens, de Cristo até nós, e nos faz participar da história de Deus com a humanidade. Este tema da Tradição é tão importante que quero voltar a me deter hoje nele: de fato, é de grande importância para a vida da Igreja.  
O Concílio Vaticano II constatou, neste sentido, que a Tradição é apostólica antes de tudo em suas origens: “Dispôs Deus benignamente que tudo o que havia revelado para a salvação dos homens permanecesse íntegro para sempre e se fosse transmitindo a todas as gerações. Por isso, Cristo Senhor, em quem se consuma a revelação total do Deus sumo (Cf. 2Cor 1,20; 3,16,4-6), mandou aos apóstolos que pregassem a todos os homens o Evangelho, comunicando-lhes os dons divinos. Este Evangelho, prometido antes pelos profetas, completou-o Ele e o promulgou com sua própria boca, como fonte de toda a verdade salvadora e da ordem dos costumes” (Dei Verbum, 7). O Concílio segue assinalando que este mandato foi cumprido fielmente “pelos apóstolos, que na sua pregação oral, com seus exemplos da vida e com as instituições por eles criadas, transmitiram o que haviam recebido dos lábios, da convivência e pelas obras de Cristo, ou haviam aprendido por inspiração do Espírito Santo” (DV 7). Com os apóstolos, acrescenta o Concílio, colaboraram também “homens apostólicos que, sob a inspiração do mesmo Espírito, escreveram a mensagem da salvação” (DV 7).
Chefes do Israel escatológico - eles também eram Doze, como as tribos do povo eleito -, os apóstolos continuam a «reunião» começada pelo Senhor e o fazem antes de tudo transmitindo fielmente o dom recebido, a boa nova do Reino que chegou aos homens com Jesus Cristo. Seu número não só expressa a continuidade com a Santa Raiz, o Israel das doze tribos, mas também o destino universal de seu ministério, que leva a salvação até os confins da terra. Expressa isso o valor simbólico que têm os números no mundo semítico: doze resulta da multiplicação de três, número perfeito, por quatro, número que faz referência aos quatro pontos cardeais, portanto, a todo o mundo.  
A comunidade, nascida do anúncio evangélico, sente-se convocada pela palavra dos primeiros que fizeram a experiência do Senhor e que foram enviados por Ele. Sabe que pode contar com a guia dos Doze, assim como com a guia dos que mais tarde se associam como sucessores no ministério da Palavra e no serviço à comunhão. Portanto, a comunidade sente-se comprometida a transmitir aos demais a “alegre notícia” da presença atual do Senhor e de seu mistério pascal, que age no Espírito. Isto é sublinhado em algumas passagens das cartas de São Paulo: “Transmiti-vos, em primeiro lugar, o que por minha vez recebi” (1Cor 15,3). E isto é importante. Como se sabe, São Paulo, originalmente chamado por Cristo com uma vocação pessoal, é um autêntico apóstolo e, contudo, também em seu caso o que conta fundamentalmente é a fidelidade ao que recebeu. Não queria “inventar” um novo cristianismo, por assim dizer, “paulino”. Por isso, insiste: “Transmiti-vos o que por minha vez recebi”. Transmitiu o dom inicial que procede do Senhor, pois o que salva é a verdade. Depois, para com o final de sua vida, escreve a Timóteo: “Conserva o bom depósito mediante o Espírito Santo que habita em nós”. (2Tm 1,14).  
Mostra-o com eficácia também este antigo testemunho da fé cristã, escrito por Tertuliano para o ano 200: “Os apóstolos ao princípio afirmaram a fé em Jesus Cristo e estabeleceram Igrejas para a Judéia e, imediatamente depois, espalhados pelo mundo, anunciaram a mesma doutrina e uma mesma fé às nações e assim fundaram Igrejas em cada cidade. Destas, depois, as Igrejas tomaram a ramificação de sua fé e as sementes da doutrina, e continuamente a tomam para ser precisamente Igrejas. Deste modo, também elas são consideradas apostólicas, como descendência das Igrejas e dos apóstolos” (De praescriptione haereticorum, 20: PL 2, 32).  
O Concílio Vaticano II comenta: “O que ensinaram os apóstolos encerra todo o necessário para que o Povo de Deus viva santamente e aumente sua fé, e desta forma a Igreja, em sua doutrina, em sua vida e em seu culto, perpetua e transmite a todas as gerações tudo o que ela é, tudo o que crê” (DV 8). A Igreja transmite tudo o que é e todo o que crê, transmite-o no culto, na vida, na doutrina. A Tradição é, portanto, o Evangelho vivo, anunciado pelos apóstolos em sua integridade, em virtude da plenitude de sua experiência única e irrepetível: por sua obra a fé é comunicada aos demais, até chegar a nós, até o fim do mundo. A Tradição, portanto, é a história do Espírito que atua na história da Igreja por meio da mediação dos apóstolos e de seus sucessores, em continuidade fiel com a experiências das origens. É o que explica o Papa São Clemente de Roma, no final do século I: “Os apóstolos – escreve - anunciaram-nos o Evangelho enviados pelo Senhor Jesus Cristo; Jesus Cristo foi enviado por Deus. Cristo provém, portanto, de Deus, os apóstolos de Cristo: ambos procedem ordenadamente da vontade de Deus... Nossos apóstolos souberam através do Senhor nosso, Jesus Cristo, que surgiriam contendas em torno à função episcopal. Por isso, prevendo perfeitamente o futuro, estabeleceram os eleitos e lhes ordenaram que à sua morte outros homens de provada virtude assumissem seu serviço” (Ad Corinthios, 42.44:PG 1, 292.296).  
Esta corrente do serviço continua até nossos dias, continuará até o final do mundo. De fato, a missão conferida por Jesus aos apóstolos foi transmitida por eles a seus sucessores. Mais além da experiência do contato pessoal com Cristo, experiência única e irrepetível, os apóstolos transmitiram aos sucessores o envio solene ao mundo recebido do Mestre. A palavra apóstolo procede precisamente do termo grego “apostéllein”, que quer dizer enviar. O envio apostólico - como mostra o texto de Mt 28,19ss - implica um serviço pastoral (“Fazei discípulos todos os povos”), litúrgico (“batizando-os”) e profético (“ensinando-lhes a guardar tudo o que eu vos mandei”), garantido pela proximidade do Senhor até a consumação dos séculos (“Eu estou convosco todos os dias até o fim do mundo”).  
Assim, de maneira diferente dos apóstolos, também nós temos uma autêntica e pessoal experiência da presença do Senhor ressuscitado. Por meio do ministério apostólico, o próprio Cristo chega até quem é chamado à fé, superando a distância de séculos, entregando-se a nós, vivo e operante, no hoje da Igreja e do mundo. Esta é nossa grande alegria. No rio vivo da Tradição Cristo não fica distante, distante dois mil anos, mas está realmente presente entre nós e nos dá a Verdade, dá-nos a luz que faz viver e encontrar o caminho para o futuro.

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