Catequese sobre a Igreja – XIV |
Bento XVI |
Seg, 18 de Maio de 2009 22:21 |
João, filho de Zebedeu
Dedicamos
o encontro de hoje à recordação de outro membro muito importante do
colégio apostólico: João, filho de Zebedeu e irmão de Tiago. O seu
nome, tipicamente judaico, significa "o Senhor fez a graça". Estava a
consertar as redes na margem do lago de Tiberíades, quando Jesus o
chamou juntamente com o irmão (cf. Mt 4, 21; Mc 1, 19). João pertence
também ao grupo restrito, que Jesus chama em determinadas ocasiões.
Está
com Pedro e com Tiago quando Jesus, em Cafarnaum, entra em casa de
Pedro para curar a sua sogra (cf. Mc 1, 29); com os outros dois segue o
Mestre na casa de Jairo, chefe da sinagoga, cuja filha será chamada à
vida (cf. Mc 5, 37); segue-o quando ele sobe ao monte para ser
transfigurado (cf. Mc 9, 2); está ao lado dele no Monte das Oliveiras
quando, face à imponência do Templo de Jerusalém, pronuncia o sermão
sobre o fim da cidade e do mundo (cf. Mc 13, 3); e, finalmente, está
ao seu lado quando, no Horto do Getsémani, se retira para rezar ao Pai
antes da Paixão (cf. Mc 14, 33). Pouco antes da Páscoa, quando Jesus
escolhe dois discípulos para os enviar a preparar a sala para a Ceia,
confia a ele e a Pedro esta tarefa (cf. Lc 22, 8).
Esta
sua posição de relevo no grupo dos Doze torna de certa forma
compreensível a iniciativa tomada um dia pela mãe: ela aproximou-se de
Jesus para lhe pedir que os dois filhos, precisamente João e Tiago,
pudessem sentar-se um à sua direita e outro à sua esquerda no Reino
(cf. Mt 20, 20-21). Como sabemos, Jesus respondeu fazendo por sua vez
uma pergunta: pediu que eles estivessem dispostos a beber do cálice
que ele mesmo estava para beber (cf. Mt 20, 22).
A
intenção que estava por detrás daquelas palavras era a de despertar
os dois discípulos, introduzi-los no conhecimento do mistério da sua
pessoa e de os fazer reflectir sobre a futura chamada a ser suas
testemunhas até à prova suprema do sangue.
De
facto, pouco depois Jesus esclareceu que não veio para ser servido
mas para servir e dar a própria vida em resgate pela multidão (cf. Mt
20, 28). Nos dias seguintes à ressurreição, encontramos "os filhos de
Zebedeu" empenhados com Pedro e outros discípulos numa noite
infrutuosa, à qual se segue, pela intervenção do Ressuscitado, a pesca
milagrosa: será "o discípulo que Jesus amava" quem reconhece primeiro
"o Senhor" e quem o indica a Pedro (cf. Jo 21, 1-13).
Na
Igreja de Jerusalém, João ocupou um lugar de realce na orientação do
primeiro agrupamento de cristãos. De facto, Paulo estava incluído
entre os que Ele chama as "colunas" daquela comunidade (cf. Gl 2, 9).
Na realidade, nos Actos, Lucas apresenta-o juntamente com Pedro quando
vão rezar no Templo (cf. Act 3, 1-4.11) ou estão diante do Sinédrio
para testemunhar a própria fé em Jesus Cristo (cf. Act 4, 13.19).
Juntamente com Pedro é enviado pela Igreja de Jerusalém para confirmar
aqueles que na Samaria aceitaram o Evangelho, pregando por eles a fim
de que recebam o Espírito Santo (cf. Act 8, 14-15).
Em
particular, deve recordar-se o que afirma, juntamente com Pedro,
diante do Sinédrio que os está a processar: "Quanto a nós, não podemos
deixar de afirmar o que vimos e ouvimos" (Act 4, 20). Precisamente
esta franqueza ao confessar a própria fé permanece um exemplo e uma
admoestação para todos nós a estarmos sempre prontos para declarar com
determinação a nossa inabalável adesão a Cristo, antepondo a fé a
qualquer cálculo ou interesse humano.
Segundo
a tradição, João é "o discípulo predilecto", que no Quarto Evangelho
apoia a cabeça no peito do Mestre durante a Última Ceia (cf. Jo 13,
21), encontra-se aos pés da Cruz juntamente com a Mãe de Jesus (cf. Jo
19, 25) e, por fim, é testemunha quer do túmulo vazio quer da própria
presença do Ressuscitado (cf. Jo 20, 2; 21, 7).
Sabemos
que esta identificação hoje é debatida pelos estudiosos, alguns dos
quais vêem nele simplesmente o protótipo do discípulo de Jesus.
Deixando aos exegetas a tarefa de resolver a questão, contentamo-nos
com receber uma lição importante para a nossa vida: o Senhor deseja
fazer de cada um de nós um discípulo que vive uma amizade pessoal com
Ele. Para realizar isto não é suficiente segui-lo e ouvi-lo
exteriormente; é preciso também viver com e como Ele.
Isto
é possível apenas no contexto de uma relação de grande familiaridade,
repleto do calor de uma total confiança; por isso um dia Jesus disse:
"Ninguém tem mais amor do que quem dá a vida pelos seus amigos... Já
não vos chamo servos, visto que um servo não está ao corrente do que
faz o seu senhor; mas a vós chamei-vos amigos, porque vos dei a
conhecer tudo o que ouvi de meu Pai" (Jo 15, 13.15).
Nos
apócrifos Actos de João o Apóstolo é apresentado não como fundador de
Igrejas nem sequer como guia de comunidades já constituídas, mas em
contínua itinerância como comunicador da fé no encontro com "almas
capazes de ter esperança e de ser salvas" (18, 10; 10, 8). Tudo é
movido pela intenção paradoxal de mostrar o invisível. De facto, ele é
chamado pela Igreja oriental simplesmente "o Teólogo", isto é, aquele
que é capaz de falar das coisas divinas em termos acessíveis,
revelandoumarcano acesso a Deus mediante a adesão a Jesus.
O
culto de João apóstolo afirmou-se a partir da cidade de Éfeso, onde,
segundo uma antiga tradição, trabalhou por muito tempo, falecendo ali
com uma idade extraordinariamente avançada, sob o Imperador Trajano.
Em Éfeso o imperador Justiniano, no século VI, mandou construir em sua
honraumagrande basílica, da qual permanecem ainda imponentes ruínas.
Precisamente
no Oriente ele gozou e goza ainda de grande veneração. Na
iconografiabizantina é representado com frequência muito idoso segundo
a tradição morreu sob o imperador Trajano e em intensa contemplação,
quase na atitude de quem convida ao silêncio.
De
facto, sem adequado recolhimento não é possível aproximar-se do
mistério supremo de Deus e da sua revelação. Isto explica porque, há
anos, o Patriarca Ecuménico de Constantinopla, Atenágoras, aquele que o
Papa Paulo VI abraçou num memorável encontro, afirmou: "João está na
origem da nossa mais alta espiritualidade. Como ele, os "silenciosos"
conhecem aquele misterioso intercâmbio dos corações, invocando a
presença de João e o seu coração inflama-se" (O. Clément, Diálogos com
Atenágoras, Turim 1972, p. 159). O Senhor nos ajude a pormo-nos na
escola de João para aprender a grande lição do amor, de modo que nos
sintamos amados por Cristo "até ao fim" (Jo 13, 1) e empreguemos a
nossa vida por Ele.
João, o teólogo
Os
Apóstolos eram companheiros de vida de Jesus, amigos de Jesus e este
caminho deles com Jesus não era só um caminho exterior, da Galileia a
Jerusalém, mas um caminho interior no qual aprenderam a fé em Jesus
Cristo, não sem dificuldades porque eram homens como nós. Mas
precisamente por isto, porque eram companheiros de vida de Jesus,
amigos de Jesus que num caminho não fácil aprenderam a fé, são também
guias para nós, que nos ajudam a conhecer Jesus Cristo, a amá-lo e a
ter fé n'Ele. Eu já tinha falado sobre quatro dos doze Apóstolos: de
Simão Pedro, do seu irmão André, de Tiago, o irmão de São João, e do
outro Tiago, chamado "o Menor", que escreveu uma Carta que encontramos
no Novo Testamento. E eu tinha começado a falar de João, o
evangelista, mencionando na última audiência antes das férias os dados
essenciais que traçam a fisionomia deste Apóstolo. Agora gostaria de
concentrar a atenção sobre o conteúdo do seu ensinamento. Por
conseguinte, os escritos dos quais hoje desejamos ocupar-nos são o
Evangelho e as Cartas que têm o seu nome.
Se
existe um assunto característico que mais sobressai nos escritos de
João, é o amor. Não foi por acaso que quis iniciar a minha primeira
Carta encíclica com as palavras deste Apóstolo: "Deus é amor (Deus
caritas est); quem está no amor habita em Deus e Deus habita nele" (1
Jo 4, 16). É muito difícil encontrar textos do género noutras
religiões. Portanto, tais expressões põem-nos diante de um dado
verdadeiramente peculiar do cristianismo. Certamente João não é o único
autor das origens cristãs que fala do amor. Sendo este um elemento
essencial do cristianismo, todos os escritores do Novo Testamento
falam dele, mesmo se com acentuações diferentes. Se agora nos detemos a
reflectir sobre este tema em João, é porque ele nos traçou com
insistência e de modo incisivo as suas linhas principais. Portanto,
confiemo-nos às suas palavras. Uma coisa é certa: ele não reflecte de
modo abstracto, filosófico, ou até teológico, sobre o que é o amor.
Não, ele não é um teórico. De facto, o verdadeiro amor, por sua
natureza, nunca é meramente especulativo, mas faz referência directa,
concreta e verificável a pessoas reais. Pois bem, João, como apóstolo e
amigo de Jesus mostra-nos quais são os componentes ou melhor as fases
do amor cristão, um movimento caracterizado por três momentos.
O
primeiro refere-se à própria Fonte do amor, que o Apóstolo coloca em
Deus, chegando, como ouvimos, a afirmar que "Deus é amor" (1 Jo 4,
8.16). João é o único autor do Novo Testamento que nos dá uma espécie
de definição de Deus. Ele diz, por exemplo, que "Deus é Espírito" (Jo
4, 24) ou que "Deus é luz" (1 Jo 1, 5). Aqui proclama com intuição
resplandecente que "Deus é amor". Observe-se bem: não é simplesmente
afirmado que "Deus ama", nem sequer que "o amor é Deus"! Por outras
palavras: João não se limita a descrever o agir divino, mas procede
até às suas raízes. Além disso, não pretende atribuir uma qualidade a
um amor genérico e talvez impessoal; não se eleva do amor a Deus, mas
dirige-se directamente a Deus para definir a sua natureza com a dimensão
infinita do amor. Com isto João deseja dizer que o constitutivo
essencial de Deus é o amor e, portanto, toda a actividade de Deus
nasce do amor e está orientada para o amor: tudo o que Deus faz é por
amor, mesmo se nem sempre podemos compreender imediatamente que Ele é
amor, o verdadeiro amor.
Mas,
a este ponto é indispensável dar um passo em frente e esclarecer que
Deus demonstrou concretamente o seu amor entrando na história humana
mediante a pessoa de Jesus Cristo, que encarnou, morreu e ressuscitou
por nós. Este é o segundo momento constitutivo do amor de Deus. Ele
não se limitou às declarações verbais, mas, podemos dizer, empenhou-se
verdadeiramente e "pagou" em primeira pessoa. Como escreve
precisamente João, "Tanto amou Deus o mundo (isto é: todos nós) que
lhe entregou o seu Filho Unigénito" (Jo 3, 16). Agora, o amor de Deus
pelos homens concretiza-se e manifesta-se no amor do próprio Jesus.
João escreve ainda: Jesus "que amara os seus que estavam no mundo,
levou o seu amor por eles até ao extremo" (Jo 13, 1). Em virtude deste
amor oblativo e total nós somos radicalmente resgatados do pecado,
como escreve ainda São João: "Filhinhos meus... se alguém pecar, temos
junto do Pai um advogado, Jesus Cristo, o Justo, pois Ele é a vítima
que expia os nossos pecados, e não somente os nossos, mas também os de
todo o mundo" (1 Jo 2, 1-2; cf. 1 Jo 1, 7). Eis até onde chegou o
amor de Jesus por nós: até à efusão do próprio sangue para a nossa
salvação! O cristão, detendo-se em contemplação diante deste "excesso"
de amor, não pode deixar de reflectir sobre qual é a resposta
obrigatória. E penso que sempre e de novo cada um de nós deve
interrogar-se sobre isto.
Esta
pergunta introduz-nos no terceiro momento da dinâmica do amor: de
destinatários receptivos de um amor que nos precede e nos domina,
somos chamados ao compromisso de uma resposta activa, que para ser
adequada só pode ser uma resposta de amor. João fala de um
"mandamento". De facto, ele refere estas palavras de Jesus: "Dou-vos
um novo mandamento: que vos ameis uns aos outros; que vos ameis uns
aos outros assim como Eu vos amei" (Jo 13, 34). Onde está a novidade à
qual Jesus se refere? Ela consiste no facto de que não se contenta de
repetir o que já era exigido no Antigo Testamento e que lemos nos
outros Evangelhos: "Ama o próximo como a ti mesmo" (Lv 19, 18; cf. Mt
22, 37-39; Mc 12, 29-31; Lc 10, 27). No antigo preceito o critério
normativo era presumido a partir do homem ("como a ti mesmo"),
enquanto que no preceito mencionado por João, Jesus apresenta como
motivo e norma do nosso amor a sua própria pessoa: "Como Eu vos amei".
É assim que o amor se torna verdadeiramente cristão, levando em si a
novidade do cristianismo: quer no sentido de que ele deve destinar-se
a todos sem distinções, quer porque deve sobretudo chegar até às
últimas consequências, tendo unicamente como medida chegar ao extremo.
Aquelas palavras de Jesus, "como Eu vos amei", convidam-nos e ao
mesmo tempo preocupam-nos; são uma meta cristológica que pode parecer
inalcançável, mas são, ao mesmo tempo, um estímulo que não nos permite
acomodar-nos no que podemos realizar. Não permite que nos contentemos
do que somos, mas estimula-nos a permanecer a caminho rumo a esta
meta.
Aquele
texto áureo de espiritualidade que é o pequeno livro do final da
Idade Média intitulado Imitação de Cristo escreve a este propósito:
"O nobre amor de Jesus estimula-nos a realizar coisas grandes e a
desejar coisas sempre mais perfeitas. O amor quer estar no alto e não
ser aprisionado por baixeza alguma. O amor quer ser livre e separado
de qualquer afecto mundano... de facto, o amor nasceu de Deus, e só
pode repousar em Deus acima de todas as coisas criadas. Quem ama voa,
corre e rejubila, é livre, e nada o retém. Dá tudo a todos e tem tudo
em todas as coisas, porque encontra repouso no Único grande que está
acima de todas as coisas, do qual brota e provém qualquer bem" (livro
III, cap. 5). Qual melhor comentário do que o "mandamento novo",
enunciado por João? Pedimos ao Pai que o possamos viver, mesmo se sempre
de modo imperfeito, tão intensamente que contagiemos a todos os que
encontrarmos no nosso caminho.
João, o vidente de Patmos
Na
última catequese tínhamos chegado à meditação sobre a figura do
Apóstolo João. Primeiro, tínhamos procurado ver quanto se pode saber
da sua vida. Depois, numa segunda catequese, tínhamos meditado acerca
do conteúdo central do seu Evangelho, das suas Cartas: a caridade, o
amor. E hoje estamos ainda empenhados com a figura de João, desta vez
para meditar sobre o Vidente do Apocalipse. E fazemos imediatamente
uma observação: enquanto nem o Quarto Evangelho nem as Cartas
atribuídas ao Apóstolo trazem o seu nome, o Apocalipse faz referência
ao nome de João por quatro vezes (cf. 1, 1.4.9; 22, 8). É evidente que
o Autor, por um lado, não tinha motivo algum para não mencionar o
próprio nome e, por outro, sabia que os seus primeiros leitores o podiam
identificar com clareza. Sabemos também que, já no século III, os
estudiosos discutiam sobre a verdadeira identidade anagráfica do João
do Apocalipse. Contudo, poderíamos também chamá-lo "o Vidente de
Patmos", porque a sua figura está ligada com o nome desta ilha do Mar
Egeu, onde, segundo o seu próprio testemunho autobiográfico, ele se
encontrava como deportado "por causa da palavra de Deus e do
testemunho d Jesus" (Ap 1, 9). Precisamente em Patmos, "no dia do
Senhor, o espírito arrebatou-me" (Ap 1, 10), João teve visões
grandiosas e ouviu mensagens extraordinárias, que influenciarão
bastante a história da Igreja e toda a cultura cristã. Por exemplo, do
título do seu livro Apocalipse, Revelação foram introduzidas na nossa
linguagem as palavras "apocalipse, apocalíptico", que recordam, embora
de modo impróprio, a ideia de uma catástrofe iminente.
O
livro deve ser compreendido no quadro da dramática experiência das
sete Igrejas da Ásia (Éfeso, Esmirna, Pérgamo, Tiatira, Sardes,
Filadélfia, Laodicéia), que nos finais do século I tiveram que
enfrentar grandes dificuldades perseguições e tensões também internas
no seu testemunho a Cristo. João dirige-se a elas mostrando profunda
sensibilidade pastoral em relação aos cristãos perseguidos, que ele
exorta a permanecer firmes na fé e a não se identificarem com o mundo
pagão, tão forte. O seu objecto é constituído em definitiva pela
revelação, a partir da morte e ressurreição de Cristo, do sentido da
história humana. De facto, a primeira e fundamental visão de João
refere-se à figura do Cordeiro, que é imolado mas que está de pé (cf.
Ap 5, 6), colocado no meio do trono onde já está sentado o próprio
Deus. Com isto, João quer dizer-nos antes de tudo duas coisas: a
primeira é que Jesus, mesmo tendo sido morto com um acto de violência,
em vez de cair no chão paradoxalmente está bem firme sobre os seus
pés, porque com a ressurreição venceu definitivamente a morte; a outra
é que o próprio Jesus, precisamente porque morto e ressuscitado, já é
plenamente partícipe do poder real e salvífico do Pai. Esta é a visão
fundamental. Jesus, o Filho de Deus, nesta terra é um Cordeiro
indefeso, ferido, morto. E contudo está erguido, de pé, está diante do
trono de Deus e é partícipe do poder divino. Ele tem nas suas mãos a
história do mundo. E assim o Vidente quer dizer-nos: tende confiança em
Jesus, não tenhais medo dos poderes contrastantes, da perseguição! O
Cordeiro ferido e morto vence! Segui o Cordeiro Jesus, confiai-vos a
Jesus, caminhai pelo seu caminho! Mesmo se neste mundo é só um
Cordeiro que parece frágil, é Ele o vencedor!
Uma
das principais visões do Apocalipse tem por objecto este Cordeiro no
acto de abrir um livro, primeiro fechado com sete selos que ninguém
tinha sido capaz de abrir. João é inclusivamente apresentado no gesto
de abrir o livro e de o ler (cf. Ap 5, 4). A história permanece
indecifrável, incompreensível. Ninguém a pode ler. Talvez este pranto
de João diante do mistério da história tão obscuro expresse a
perturbação das Igrejas asiáticas pelo silêncio de Deus diante das
perseguições a que estavam expostas naquele momento. É uma perturbação
na qual se pode reflectir bem o nosso horror face às graves
dificuldades, incompreensões e hostilidades que também hoje a Igreja
sofre em várias partes do mundo. São sofrimentos que a Igreja sem
dúvida não merece, assim como o próprio Jesus não mereceu o seu
suplício. Contudo eles revelam quer a maldade do homem, quando se
abandona às sugestões do mal, quer a orientação superior dos
acontecimentos por parte de Deus. Pois bem, só o Cordeiro imolado é
capaz de abrir o livro selado e de revelar o seu conteúdo, de dar
sentido a esta história aparentemente com tanta frequência absurda. Só
Ele pode tirar indicações e ensinamentos para a vida dos cristãos, aos
quais a sua vitória sobre a morte traz o anúncio e a garantia da
vitória que também eles sem dúvida obterão. Toda a linguagem
intensamente imaginária da qual João se serve oferece este conforto.
No
centro das visões que o Apocalipse expõe estão também aquelas muito
significativas da Mulher que dá à luz um Filho varão, e a complementar
do Dragão precipitado do céu, mas ainda é muito poderoso. Esta Mulher
representa Maria, a Mãe do Redentor, mas representa ao mesmo tempo
toda a Igreja, o Povo de Deus de todos os tempos, a Igreja que em
todos os tempos, com grande sofrimento, dá à luz Cristo sempre de
novo. E está sempre ameaçada pelo poder do Dragão. Parece indefesa,
frágil. Mas enquanto está ameaçada, perseguida pelo Dragão está também
protegida pela consolação de Deus. E esta Mulher no final vence. O
Dragão não vence. Eis a grande profecia deste livro, que nos dá
confiança! A Mulher que sofre na história, a Igreja que é perseguida
no final torna-se a Esposa maravilhosa, figura da nova Jerusalém onde
não há mais lágrimas nem pranto, imagem do mundo transformado, do novo
mundo cuja luz é o próprio Deus, cuja lâmpada é o Cordeiro.
Por
este motivo o Apocalipse de João, mesmo estando cheio de referências
contínuas a sofrimentos, tribulações e pranto a face obscura da
história está de igual modo repleto de frequentes cantos de louvor,
que representam quase a face luminosa da história. Assim, por exemplo,
lê-se nele que uma grande multidão, que canta quase gritando:
"Aleluia! O Senhor nosso Deus, o Todo-Poderoso, começou o seu reinado!
Alegremo-nos, rejubilemos, dêmos-lhe glória, porque chegou o momento
das núpcias do Cordeiro, a sua esposa já está pronta" (Ap 19, 6-7).
Estamos diante do típico paradoxo cristão, segundo o qual o sofrimento
nunca precipita como última palavra, mas é visto como ponto de
passagem para a felicidade. Aliás, ele mesmo já está misteriosamente
cheio da alegria que brota da esperança. Precisamente por isto João, o
Vidente de Patmos, pode encerrar o seu livro com uma última
aspiração, palpitante de expectativa trepidante. Ela invoca a vinda do
Senhor: "Vinde, Senhor Jesus!" (Ap 22, 20). É uma das orações
centrais da cristandade nascente, traduzida também por São Paulo na
forma aramaica: "Marana tha". E esta oração "Vinde, Senhor Jesus!" (1
Cor 16, 22) tem diversas dimensões. Naturalmente é antes de tudo
expectativa da vitória definitiva do Senhor, da nova Jerusalém, do
Senhor que vem e transforma o mundo. Mas, ao mesmo tempo, é também
oração eucarística: "Vinde Jesus, agora!". E Jesus vem, antecipa esta
sua chegada definitiva. Assim com alegria dizemos ao mesmo tempo:
"Vinde agora e de modo definitivo!". Esta oração tem também um
terceiro significado: "Já viestes, Senhor! Temos a certeza da vossa
presença entre nós. É uma experiência jubilosa. "Mas vinde de modo
definitivo!". E assim, com São Paulo, com o Vidente de Patmos, com a
cristandade nascente, também nós rezamos: "Vinde, Jesus! Vinde e
transformai o mundo! Vinde já hoje e vença a paz!" Amém.
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