Catequese sobre a Igreja - XVIII |
Bento XVI |
Seg, 18 de Maio de 2009 22:18 |
Bartolomeu
Na
série dos Apóstolos chamados por Jesus durante a sua vida terrena,
hoje quem atrai a nossa atenção é o apóstolo Bartolomeu. Nos antigos
elencos dos Doze ele é sempre colocado antes de Mateus, enquanto varia
o nome daquele que o precede e que pode ser Filipe (cf. Mt 10, 3; Mc
3, 18; Lc 6, 14) ou Tomé (cf. Act 1, 13). O seu nome é claramente um
patronímico, porque é formulado com uma referência explícita ao nome
do pai. De facto, trata-se de um nome provavelmente com uma marca
aramaica, Bar Talmay, que significa precisamente "filho de Talmay".
Não
temos notícias de relevo acerca de Bartolomeu; com efeito, o seu nome
recorre sempre e apenas no âmbito dos elencos dos Doze acima citados
e, por conseguinte, nunca está no centro de narração alguma. Mas,
tradicionalmente ele é identificado com Natanael: um nome que
significa "Deus deu". Este Natanael provinha de Caná (cf. Jo 21, 2), e
portanto é possível que tenha sido testemunha do grande "sinal"
realizado por Jesus naquele lugar (cf. Jo 2, 1-11). A identificação
das duas personagens provavelmente é motivada pelo facto que este
Natanael, no episódio de vocação narrada pelo Evangelho de João, é
colocado ao lado de Filipe, isto é, no lugar que Bartolomeu ocupa nos
elencos dos Apóstolos narrados pelos outros Evangelhos. Filipe tinha
comunicado a este Natanael que encontrara "aquele sobre quem
escreveram Moisés, na Lei, e os profetas: Jesus, filho de José de
Nazaré" (Jo 1, 45). Como sabemos, Natanael atribuiu-lhe um preconceito
bastante pesado: "De Nazaré pode vir alguma coisa boa?" (Jo 1, 46a).
Esta espécie de contestação é, à sua maneira, importante para nós. De
facto, ela mostra-nos que segundo as expectativas judaicas, o Messias
não podia provir de uma aldeia tanto obscura como era precisamente
Nazaré (veja também Jo 7, 42). Mas, ao mesmo tempo realça a liberdade
de Deus, que surpreende as nossas expectativas fazendo-se encontrar
precisamente onde não o esperávamos. Por outro lado, sabemos que Jesus
na realidade não era exclusivamente "de Nazaré", pois tinha nascido em
Belém (cf. Mt 2, 1; Lc 2, 4) e que por fim provinha do céu, do Pai que
está no céu.
Outra
reflexão sugere-nos a vicissitude de Natanael: na nossa relação com
Jesus não devemos contentar-nos unicamente com as palavras. Filipe, na
sua resposta, faz um convite significativo: "Vem e verás!" (Jo 1,
46b). O nosso conhecimento de Jesus precisa sobretudo de uma
experiência viva: o testemunho de outrem é certamente importante,
porque normalmente toda a nossa vida cristã começa com o anúncio que
chega até nós por obra de uma ou de várias testemunhas. Mas depois
devemos ser nós próprios a deixar-nos envolver pessoalmente numa
relação íntima e profunda com Jesus; de maneira análoga os Samaritanos,
depois de terem ouvido o testemunho da sua concidadã que Jesus tinha
encontrado ao lado do poço de Jacob, quiseram falar directamente com
Ele e, depois deste colóquio, disseram à mulher: "Já não é pelas tuas
palavras que acreditamos, nós próprios ouvimos e sabemos que Ele é
verdadeiramente o Salvador do mundo" (Jo 4, 42).
Voltando
ao cenário de vocação, o evangelista refere-nos que, quando Jesus vê
Natanael aproximar-se exclama: "Aqui está um verdadeiro Israelita, em
quem não há fingimento" (Jo 1, 47). Trata-se de um elogio que recorda
o texto de um Salmo: "Feliz o homem a quem Iahweh não atribui
iniquidade" (Sl 32, 2), mas que suscita a curiosidade de Natanael, o
qual responde com admiração: "Como me conheces?" (Jo 1, 48a). A
resposta de Jesus não é imediatamente compreensível. Ele diz: "Antes
que Filipe te chamasse, eu te vi quando estavas sob a figueira" (Jo 1,
48b). Não sabemos o que aconteceu sob esta figueira. É evidente que
se trata de um momento decisivo na vida de Natanael. Ele sente-se
comovido com estas palavras de Jesus, sente-se compreendido e
compreende: este homem sabe tudo de mim, Ele sabe e conhece o caminho
da vida, a este homem posso realmente confiar-me. E assim responde
com uma confissão de fé límpida e bela, dizendo: "Rabi, tu és o filho
de Deus, tu és o Rei de Israel" (Jo 1, 49). Nela é dado um primeiro e
importante passo no percurso de adesão a Jesus. As palavras de
Natanael ressaltam um aspecto duplo e complementar da identidade de
Jesus: Ele é reconhecido quer na sua relação especial com Deus Pai,
do qual é Filho unigénito, quer na relação com o povo de Israel, do
qual é proclamado rei, qualificação própria do Messias esperado. Nunca
devemos perder de vista nenhuma destas duas componentes, porque se
proclamamos apenas a dimensão celeste de Jesus, corremos o risco de
o transformar num ser sublime e evanescente, e se ao contrário
reconhecemos apenas a sua colocação concreta na história, acabamos por
descuidar a dimensão divina que propriamente o qualifica.
Da
sucessiva actividade apostólica de Bartolomeu-Natanael não temos
notícias claras. Segundo uma informação referida pelo historiador
Eusébio do século IV, um certo Panteno teria encontrado até na Índia
os sinais de uma presença de Bartolomeu (cf. Hist. eccl., V 10, 3). Na
tradição posterior, a partir da Idade Média, impôs-se a narração da
sua morte por esfolamento, que se tornou muito popular. Pense-se na
conhecidíssima cena do Juízo Universal na Capela Sistina, na qual
Michelangelo pintou São Bartolomeu que segura com a mão esquerda a sua
pele, sobre a qual o artista deixou o seu auto-retrato. As suas
relíquias são veneradas aqui em Roma na Igreja a ele dedicada na Ilha
Tiberina, aonde teriam sido levadas pelo Imperador alemão Otão III no
ano de 983. Para concluir, podemos dizer que a figura de São
Bartolomeu, mesmo sendo escassas as informações acerca dele, permanece
contudo diante de nós para nos dizer que a adesão a Jesus pode ser
vivida e testemunhada também sem cumprir obras sensacionais.
Extraordinário é e permanece o próprio Jesus, ao qual cada um de nós
está chamado a consagrar a própria vida e a própria morte.
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