Catequese sobre a Igreja - XIX |
Bento XVI |
Seg, 18 de Maio de 2009 22:18 |
Simão o Cananeu e Judas Tadeu
Hoje
tomamos em consideração dois dos doze Apóstolos: Simão o Cananeu e
Judas Tadeu (que não se deve confundir com Judas Iscariotes).
Consideramo-los juntos, não só porque nas listas dos Doze são sempre
mencionados um ao lado do outro (cf. Mt 10, 4; Mc 3, 18; Lc 6, 15; Act
1, 13), mas também porque as notícias que a eles se referem não são
muitas, excepto o facto que o Cânon neotestamentário conserva uma
carta atribuída a Judas Tadeu.
Simão
recebe um epíteto que varia nas quatro listas: Mateus qualifica-o
como "cananeu", Lucas define-o "zelote". Na realidade, as duas
qualificações equivalem-se, porque significam a mesma coisa: na
língua hebraica, de facto, o verbo qanà' significa "ser zeloso",
"dedicado" e pode referir-se quer a Deus, porque é zeloso do povo por
ele escolhido (cf. Êx 20, 5), quer a homens que são zelosos no serviço
a Deus único com dedicação total, como Elias (cf. 1 Rs 19, 10).
Portanto, é possível que este Simão, se não pertencia exactamente ao
movimento nacionalista dos Zelotes, tivesse pelo menos como
característica um fervoroso zelo pela identidade judaica, por
conseguinte, por Deus, pelo seu povo e pela Lei divina. Sendo assim,
Simão coloca-se no antípoda de Mateus, que ao contrário, sendo
publicano, provinha de uma actividade considerada totalmente impura.
Sinal
evidente que Jesus chama os seus discípulos e colaboradores das
camadas sociais e religiosas mais diversas, sem exclusão alguma. Ele
interessa-se pelas pessoas, não pelas categorias sociais ou pelas
actividades! E o mais belo é que no grupo dos seus seguidores, todos,
mesmo se diversos, coexistiam, superando as inimagináveis
dificuldades: de facto, era o próprio Jesus o motivo de coesão, no
qual todos se reencontravam unidos. Isto constitui claramente uma
lição para nós, com frequência propensos a realçar as diferenças e
talvez as contraposições, esquecendo que em Jesus Cristo nos é dada a
força para superar os nossos conflitos. Tenhamos também presente que o
grupo dos Doze é a prefiguração da Igreja, na qual devem ter espaço
todos os carismas, os povos, as raças, todas as qualidades humanas,
que encontram a sua composição e a sua unidade na comunhão com Jesus.
No
que se refere depois a Judas Tadeu, ele é chamado assim pela
tradição, unindo ao mesmo tempo dois nomes diferentes: de facto,
enquanto Mateus e Marcos o chamam simplesmente "Tadeu" (Mt 10, 3; Mc
3, 18), Lucas chama-o "Judas de Tiago" (Lc 6, 16; Act 1, 13). O
sobrenome Tadeu tem uma derivação incerta e é explicado ou como
proveniente do aramaico taddà', que significa "peito" e, por
conseguinte, significaria "magnânimo", ou como abreviação de um nome
grego como "Teodoro, Teódoto". Dele são transmitidas poucas coisas. Só
João assinala um seu pedido feito a Jesus durante a Última Ceia. Diz
Tadeu ao Senhor: "Senhor, como aconteceu que te deves manifestar a
nós e não ao mundo?". É uma pergunta de grande actualidade, que também
nós fazemos ao Senhor: porque o Ressuscitado não se manifestou em
toda a sua glória aos seus adversários para mostrar que o vencedor é
Deus? Por que se manifestou só aos Discípulos? A resposta de Jesus é
misteriosa e profunda. O Senhor diz: "Se alguém me tem amor, há-de
guardar a minha palavra; e o meu Pai o amará, e Nós viremos a ele e
nele faremos morada" (Jo 14, 22-23). Isto significa que o Ressuscitado
deve ser visto, sentido também com o coração, de modo que Deus possa
habitar em nós. O Senhor não se mostra como uma coisa. Ele quer entrar
na nossa vida e por isso a sua manifestação é uma manifestação que
exige e pressupõe o coração aberto. Só assim vemos o Ressuscitado.
Foi
atribuída a Judas Tadeu a paternidade de uma das Cartas do Novo
Testamento, que são chamadas "católicas" porque não se destinam a uma
determinada Igreja local, mas a um círculo muito amplo de
destinatários. De facto, ele dirige-se "aos eleitos amados por Deus
Pai e guardados para Jesus Cristo" (v. 1). A preocupação central deste
escrito é advertir os cristãos de todos os que, com o pretexto da
graça de Deus, desculpam a própria devassidão e para desviar outros
irmãos com ensinamentos inaceitáveis, introduzindo divisões dentro da
Igreja "deixando-se levar pelo seu delírio" (v. 8), assim define Judas
estas suas doutrinas e ideias especiais. Ele compara-os
inclusivamente aos anjos caídos, e com palavras fortes diz que
"seguiram pelo caminho de Caim" (v. 11). Além disso classifica-os sem
reticências como "nuvens sem água que os ventos levam; árvores de
outono sem fruto, duas vezes mortas, desarraigadas; ondas furiosas do
mar que repelem a espuma da sua torpeza; estrelas errantes condenadas à
negrura das trevas eternas" (vv. 12-13).
Talvez
hoje nós já não estejamos habituados a usar uma linguagem tão
polémica, que contudo nos diz uma coisa importante. No meio de todas
as tentações que existem, com todas as correntes da vida moderna,
devemos conservar a identidade da nossa fé. Certamente, o caminho da
indulgência e do diálogo, que o Concílio Vaticano II felizmente
empreendeu, deve ser sem dúvida prosseguida com uma constância firme.
Mas este caminho do diálogo, tão necessário, não deve fazer esquecer o
dever de reconsiderar e de evidenciar sempre com igual força as
linhas-mestras e irrenunciáveis da nossa identidade cristã. Por outro
lado, é necessário ter bem presente que esta nossa identidade exige
força, clareza e coragem face às contradições do mundo em que vivemos.
Por isso o texto epistolar prossegue assim: "Mas vós, caríssimos,
fala a todos nós mantende-vos no amor de Deus, esperando que a
misericórdia de Nosso Senhor Jesus Cristo vos conceda a vida eterna.
Tratai com misericórdia aqueles que vacilam..." (vv. 20-22). A Carta
conclui-se com estas bonitas palavras: "Àquele que é poderoso para
vos livrar das quedas e vos apresentar diante da sua glória,
imaculados e cheios de alegria, ao Deus único, nosso Salvador, por
meio de Jesus Cristo, Senhor nosso, seja dada glória, a majestade, a
soberania e o poder, antes de todos os tempos, agora e por todos os
séculos, Amém" (vv. 24-25).
Vê-se
bem que o autor destas frases vive plenamente a própria fé, à qual
pertencem realidades grandes como a integridade moral e a alegria, a
confiança e por fim o louvor, sendo motivado em tudo apenas pela
bondade do nosso único Deus e pela misericórdia de nosso Senhor Jesus
Cristo. Por isso, tanto Simão o Cananeu, como Judas Tadeu nos ajudam a
redescobrir sempre de novo e a viver incansavelmente a beleza da fé
cristã, sabendo dar um testemunho dela forte e ao mesmo tempo sereno.
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