Catequese sobre a Igreja - VII |
Bento XVI |
Seg, 18 de Maio de 2009 22:25 |
Queridos irmãos e irmãs:
Nas últimas duas audiências, meditamos no que é a Tradição da Igreja e
vimos o que é a presença permanente da palavra e da vida de Jesus em
seu povo. Mas a palavra, para estar presente, tem necessidade de uma
pessoa, de um testemunho. Deste modo nasce esta reciprocidade: por uma
parte, a palavra tem necessidade da pessoa mas, por outra parte, a
pessoa está ligada à palavra que lhe foi confiada e que ela não
inventou. Esta reciprocidade entre conteúdo - palavra de Deus, vida do
Senhor - e pessoa que o transmite é uma característica da estrutura
da Igreja, e hoje queremos meditar sobre este aspecto pessoal da
Igreja.
Como havíamos visto, o Senhor o havia começado ao convocar os doze,
que representavam o futuro Povo de Deus. Na fidelidade ao mandato
recebido pelo Senhor, em um primeiro momento, os doze, após sua
Ascensão, completam seu número com a eleição de Matias no lugar de
Judas (cf. At 1,15-26), e logo associam progressivamente outros às
funções que lhes foram confiadas para que continuem seu ministério. O
Ressuscitado mesmo chama Paulo (cf. Gl 1,1), mas Paulo, apesar de que
havia sido chamado pelo Senhor como apóstolo, confronta seu Evangelho
com o Evangelho dos doze (cf. Gl 1, 18), preocupa-se por transmitir o
que recebeu (cf. 1Cor 11,23; 15,3-4), e na distribuição das tarefas
missionárias é associado aos apóstolos, junto a outros, por exemplo,
Barnabé (cf. Gl 2,9). Assim como ao início da condição do apóstolo
encontra-se um chamado e um envio do Ressuscitado, do mesmo modo a
sucessiva chamada e convite a outro acontecerá, com a força do
Espírito, por obra de quem já foi constituído no ministério
apostólico. Este é o caminho pelo qual continuará este ministério que,
depois, começando pela segunda geração, chamar-se-á ministério
episcopal, «episcopé».
Talvez seja útil explicar brevemente o que quer dizer "bispo" É a
forma portuguesa da palavra grega «epíscopo». Esta palavra faz
referência ao que tem uma visão do alto, que olha com o coração. Deste
modo, o próprio São Pedro, em sua primeira Carta, chama o Senhor
Jesus «pastor e bispo de vossas almas» (2,25). E, segundo este modelo
do Senhor, que é o primeiro bispo, guardião e pastor das almas, os
sucessores dos apóstolos foram chamados depois de «bispos».
Confia-se-lhes a função da «episcopé». Esta função precisa do bispo se
desenvolverá progressivamente com respeito aos inícios até assumir a
forma, já claramente testemunhada por Inácio de Antioquia, nos inícios
dos séculos II (cf. «Ad Mag.», 6, 1: PG 5, 668), da tripla função de
bispo, presbítero e diácono. É um desenvolvimento guiado pelo Espírito
de Deus, que auxilia a Igreja no discernimento das formas autênticas
da sucessão apostólica, definidas cada vez melhor entre uma
pluralidade de experiências e de formas carismáticas e ministeriais,
presentes na comunidade das origens.
Deste modo, a sucessão na função episcopal apresenta-se como
continuidade do ministério apostólico, garantia da perseverança na
Tradição apostólica, palavra e vida, que nos foram confiadas pelo
Senhor. O laço entre o colégio dos bispos e a comunidade originária
dos apóstolos se entende, antes de tudo, na linha da continuidade
histórica. Como vimos, aos doze se associa em primeiro lugar Matias, e
depois, Paulo, e logo Barnabé, e mais tarde outros, até a formação,
na segunda e terceira geração, do ministério do bispo. Portanto, a
continuidade expressa-se nesta corrente histórica. E na continuidade da
sucessão encontra-se a garantia de perseverança na comunidade
eclesial, no Colégio apostólico, reunido a seu redor por Cristo. Mas
esta continuidade, que vemos antes na continuidade histórica dos
ministros, deve-se entender também em sentido espiritual, pois a
sucessão apostólica no ministério é considerada como lugar
privilegiado da ação e da transmissão do Espírito Santo. Um eco claro
destas convicções pode-se constatar, por exemplo, neste texto de
Irineu de Lião (segunda metade do século II): «A Tradição dos
Apóstolos foi manifestada ao universal mundo em toda a Igreja, e podemos
enumerar aqueles que na Igreja foram constituídos bispos e sucessores
dos Apóstolos até nós (...) (Os apóstolos) queriam que aqueles a quem
deixavam como sucessores fossem em tudo “perfeitos e irrepreensíveis”
(1Tm 3,2; Tt 1,6-7), para encomendar-lhes o magistério em seu lugar:
se obravam corretamente, seguir-se-ia grande utilidade, mas, se
tivessem caído, a maior calamidade» («Adv. Haer.», III, 3, 1: PG 7,
848).
Irineu, depois, ao apresentar esta rede da sucessão apostólica como
máxima garantia da perseverança na palavra do Senhor, concentra-se
nessa Igreja, entre «as mais antigas e de todos conhecidas, a Igreja
fundada e constituída em Roma pelos dois gloriosos apóstolos Pedro e
Paulo», sublinhando a Tradição da fé anunciada, que nela chega até nós
através dos apóstolos mediante as sucessões dos bispos. Deste modo,
para Irineu e para a Igreja universal, a sucessão episcopal da Igreja
de Roma converte-se no sinal, no critério e na garantia da transmissão
sem interrupção da fé apostólica: «É necessário que qualquer Igreja
esteja em harmonia com esta Igreja, cuja fundação é a mais garantida -
refiro-me a todos os fiéis de qualquer lugar -, porque nela todos os
que se encontram em todas partes conservaram a Tradição apostólica»
(«Adv. Haer.», III, 3,2: PG 7,848). A sucessão apostólica, verificada em
virtude da comunhão com a Igreja de Roma, é portanto o critério de
permanência de cada uma das Igrejas na Tradição da fé comum apostólica,
que, através deste canal, pôde chegar até nós desde as origens: «Por
esta ordem e sucessão chegou até nós a Tradição que iniciou dos
apóstolos. E isto mostra plenamente que a única e mesma fé
vivificadora que vem dos apóstolos foi conservada e transmitida na
Igreja até hoje» (ibidem, III, 3, 3: PG 7, 851).
Segundo estes testemunhos da Igreja antiga, a
apostolicidade da comunhão eclesial consiste na fidelidade ao
ensinamento e à prática dos apóstolos, através dos quais se garante a
união histórica e espiritual da Igreja com Cristo. A sucessão
apostólica do ministério episcopal é o caminho que garante a fiel
transmissão do testemunho apostólico. O que representam os apóstolos
na relação entre o Senhor Jesus e a Igreja das origens, representa-o
analogamente a sucessão ministerial na relação entre a Igreja das
origens e a Igreja atual. Não é uma mera concatenação material; é mais o
instrumento histórico do qual se serve o Espírito para fazer presente
o Senhor Jesus, cabeça de seu povo, através de quem são ordenados
pelo ministério por meio da imposição das mãos e da oração dos bispos.
Então, através da sucessão apostólica, Cristo chega a nós: na palavra
dos apóstolos e de seus sucessores Ele nos fala; mediante suas mãos
Ele atua nos sacramentos, em seu olhar nos envolve e nos faz sentir
amados, acolhidos no coração de Deus. E também hoje, como no início,
Cristo mesmo é o verdadeiro pastor e guardião de nossas almas, a quem
nós seguimos com grande confiança, gratidão e alegria. |
Nenhum comentário:
Postar um comentário