sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Catequese sobre a Igreja - VII

Catequese sobre a Igreja - VII PDF Imprimir E-mail
Bento XVI
Seg, 18 de Maio de 2009 22:25

Queridos irmãos e irmãs:  
            Nas últimas duas audiências, meditamos no que é a Tradição da Igreja e vimos o que é a presença permanente da palavra e da vida de Jesus em seu povo. Mas a palavra, para estar presente, tem necessidade de uma pessoa, de um testemunho. Deste modo nasce esta reciprocidade: por uma parte, a palavra tem necessidade da pessoa mas, por outra parte, a pessoa está ligada à palavra que lhe foi confiada e que ela não inventou. Esta reciprocidade entre conteúdo - palavra de Deus, vida do Senhor - e pessoa que o transmite é uma característica da estrutura da Igreja, e hoje queremos meditar sobre este aspecto pessoal da Igreja.  
            Como havíamos visto, o Senhor o havia começado ao convocar os doze, que representavam o futuro Povo de Deus. Na fidelidade ao mandato recebido pelo Senhor, em um primeiro momento, os doze, após sua Ascensão, completam seu número com a eleição de Matias no lugar de Judas (cf. At 1,15-26), e logo associam progressivamente outros às funções que lhes foram confiadas para que continuem seu ministério. O Ressuscitado mesmo chama Paulo (cf. Gl 1,1), mas Paulo, apesar de que havia sido chamado pelo Senhor como apóstolo, confronta seu Evangelho com o Evangelho dos doze (cf. Gl 1, 18), preocupa-se por transmitir o que recebeu (cf. 1Cor 11,23; 15,3-4), e na distribuição das tarefas missionárias é associado aos apóstolos, junto a outros, por exemplo, Barnabé (cf. Gl 2,9). Assim como ao início da condição do apóstolo encontra-se um chamado e um envio do Ressuscitado, do mesmo modo a sucessiva chamada e convite a outro acontecerá, com a força do Espírito, por obra de quem já foi constituído no ministério apostólico. Este é o caminho pelo qual continuará este ministério que, depois, começando pela segunda geração, chamar-se-á ministério episcopal, «episcopé». 
            Talvez seja útil explicar brevemente o que quer dizer "bispo" É a forma portuguesa da palavra grega «epíscopo». Esta palavra faz referência ao que tem uma visão do alto, que olha com o coração. Deste modo, o próprio São Pedro, em sua primeira Carta, chama o Senhor Jesus «pastor e bispo de vossas almas» (2,25). E, segundo este modelo do Senhor, que é o primeiro bispo, guardião e pastor das almas, os sucessores dos apóstolos foram chamados depois de «bispos». Confia-se-lhes a função da «episcopé». Esta função precisa do bispo se desenvolverá progressivamente com respeito aos inícios até assumir a forma, já claramente testemunhada por Inácio de Antioquia, nos inícios dos séculos II (cf. «Ad Mag.», 6, 1: PG 5, 668), da tripla função de bispo, presbítero e diácono. É um desenvolvimento guiado pelo Espírito de Deus, que auxilia a Igreja no discernimento das formas autênticas da sucessão apostólica, definidas cada vez melhor entre uma pluralidade de experiências e de formas carismáticas e ministeriais, presentes na comunidade das origens. 
            Deste modo, a sucessão na função episcopal apresenta-se como continuidade do ministério apostólico, garantia da perseverança na Tradição apostólica, palavra e vida, que nos foram confiadas pelo Senhor. O laço entre o colégio dos bispos e a comunidade originária dos apóstolos se entende, antes de tudo, na linha da continuidade histórica. Como vimos, aos doze se associa em primeiro lugar Matias, e depois, Paulo, e logo Barnabé, e mais tarde outros, até a formação, na segunda e terceira geração, do ministério do bispo. Portanto, a continuidade expressa-se nesta corrente histórica. E na continuidade da sucessão encontra-se a garantia de perseverança na comunidade eclesial, no Colégio apostólico, reunido a seu redor por Cristo. Mas esta continuidade, que vemos antes na continuidade histórica dos ministros, deve-se entender também em sentido espiritual, pois a sucessão apostólica no ministério é considerada como lugar privilegiado da ação e da transmissão do Espírito Santo. Um eco claro destas convicções pode-se constatar, por exemplo, neste texto de Irineu de Lião (segunda metade do século II): «A Tradição dos Apóstolos foi manifestada ao universal mundo em toda a Igreja, e podemos enumerar aqueles que na Igreja foram constituídos bispos e sucessores dos Apóstolos até nós (...) (Os apóstolos) queriam que aqueles a quem deixavam como sucessores fossem em tudo “perfeitos e irrepreensíveis” (1Tm 3,2; Tt 1,6-7), para encomendar-lhes o magistério em seu lugar: se obravam corretamente, seguir-se-ia grande utilidade, mas, se tivessem caído, a maior calamidade» («Adv. Haer.», III, 3, 1: PG 7, 848).  
            Irineu, depois, ao apresentar esta rede da sucessão apostólica como máxima garantia da perseverança na palavra do Senhor, concentra-se nessa Igreja, entre «as mais antigas e de todos conhecidas, a Igreja fundada e constituída em Roma pelos dois gloriosos apóstolos Pedro e Paulo», sublinhando a Tradição da fé anunciada, que nela chega até nós através dos apóstolos mediante as sucessões dos bispos. Deste modo, para Irineu e para a Igreja universal, a sucessão episcopal da Igreja de Roma converte-se no sinal, no critério e na garantia da transmissão sem interrupção da fé apostólica: «É necessário que qualquer Igreja esteja em harmonia com esta Igreja, cuja fundação é a mais garantida - refiro-me a todos os fiéis de qualquer lugar -, porque nela todos os que se encontram em todas partes conservaram a Tradição apostólica» («Adv. Haer.», III, 3,2: PG 7,848). A sucessão apostólica, verificada em virtude da comunhão com a Igreja de Roma, é portanto o critério de permanência de cada uma das Igrejas na Tradição da fé comum apostólica, que, através deste canal, pôde chegar até nós desde as origens: «Por esta ordem e sucessão chegou até nós a Tradição que iniciou dos apóstolos. E isto mostra plenamente que a única e mesma fé vivificadora que vem dos apóstolos foi conservada e transmitida na Igreja até hoje» (ibidem, III, 3, 3: PG 7, 851).  
            Segundo estes testemunhos da Igreja antiga, a apostolicidade da comunhão eclesial consiste na fidelidade ao ensinamento e à prática dos apóstolos, através dos quais se garante a união histórica e espiritual da Igreja com Cristo. A sucessão apostólica do ministério episcopal é o caminho que garante a fiel transmissão do testemunho apostólico. O que representam os apóstolos na relação entre o Senhor Jesus e a Igreja das origens, representa-o analogamente a sucessão ministerial na relação entre a Igreja das origens e a Igreja atual. Não é uma mera concatenação material; é mais o instrumento histórico do qual se serve o Espírito para fazer presente o Senhor Jesus, cabeça de seu povo, através de quem são ordenados pelo ministério por meio da imposição das mãos e da oração dos bispos. Então, através da sucessão apostólica, Cristo chega a nós: na palavra dos apóstolos e de seus sucessores Ele nos fala; mediante suas mãos Ele atua nos sacramentos, em seu olhar nos envolve e nos faz sentir amados, acolhidos no coração de Deus. E também hoje, como no início, Cristo mesmo é o verdadeiro pastor e guardião de nossas almas, a quem nós seguimos com grande confiança, gratidão e alegria.

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