Catequese sobre a Igreja – IX |
Bento XVI |
Seg, 18 de Maio de 2009 22:24 |
Pedro, o Apóstolo
Nestas
catequeses estamos a meditar sobre a Igreja. Dissemos que a Igreja
vive nas pessoas e, por isso, na última catequese, começamos a meditar
sobre as figuras de cada um dos Apóstolos, começando por São Pedro.
Vimos duas etapas decisivas da sua vida: a chamada junto do Lago da
Galiléia e, depois, a profissão de fé: "Tu és Cristo, o Messias". Uma
confissão, dissemos, ainda insuficiente, inicial e contudo aberta. São
Pedro coloca-se num caminho de seguimento. E assim, esta confissão
inicial tem em si, como em gérmen, já a futura fé da Igreja. Hoje
queremos considerar outros dois acontecimentos importantes na vida de
Pedro: a multiplicação dos pães ouvimos no trecho agora lido a
pergunta do Senhor e a resposta de Pedro e depois o Senhor que chama
Pedro para ser pastor da Igreja universal.
Comecemos
com a vicissitude da multiplicação dos pães. Vós sabeis que o povo
tinha ouvido o Senhor durante horas. No fim, Jesus diz: estão
cansados, têm fome, devemos dar de comer a este povo. Os Apóstolos
perguntam: Mas como? E André, irmão de Pedro, chama a atenção de Jesus
para um jovem que levava consigo cinco pães e dois peixes. Mas o que
são para tantas pessoas, interrogam-se os Apóstolos. Mas o Senhor faz
sentar as pessoas e distribuir estes cinco pães e os dois peixes e
todos se saciam. Aliás, o Senhor encarrega os Apóstolos, e entre eles
Pedro, que recolham o que sobrou em abundância: doze cestas de pão (cf.
Jo 6, 12-13). Sucessivamente o povo, vendo este milagre que parece ser
a renovação, tão esperada de um novo "maná", do dom do pão do céu
deseja fazer dele o seu rei. Mas Jesus não aceita e retira-se para o
monte para rezar sozinho. No dia seguinte, Jesus na outra margem do
lago, na Sinagoga de Cafarnaum, interpretou o milagre não no sentido
de uma realeza sobre Israel com um poder deste mundo no modo esperado
pela multidão, mas no sentido da doação de si: "o pão que Eu hei de
dar é a minha carne, pela vida do mundo" (Jo 6, 51). Jesus anuncia a
cruz, e com a cruz a verdadeira multiplicação dos pães, o pão
eucarístico o seu modo absolutamente novo de ser rei, um modo
totalmente contrário às expectativas do povo.
Nós
podemos compreender como estas palavras do Mestre que não deseja
cumprir todos os dias uma multiplicação dos pães, que não quer
oferecer a Israel um poder deste mundo pareciam verdadeiramente
difíceis, aliás, inaceitáveis para a multidão. "Da sua carne": O que
significa? E também para os discípulos é inaceitável o que Jesus diz
neste momento. Era e é para o nosso coração, para a nossa mentalidade,
um sermão "duro", que provava a fé (cf. Jo 6, 60). Muitos dos
discípulos se afastaram. Queriam alguém que renovasse realmente o Estado
de Israel, do seu povo, e não um que dizia: "Eu dou a minha carne".
Podemos imaginar como as palavras de Jesus eram difíceis também para
Pedro, que em Cesaréia de Filipe se tinha oposto à profecia da cruz. E
contudo quando Jesus perguntou aos doze: "Quereis retirar-vos vós
também?", Pedro reagiu com o impulso do seu coração generoso, guiado
pelo Espírito Santo. Em nome de todos respondeu com palavras imortais,
que são também nossas: "Senhor, a quem iremos? Tu tens palavras de
vida eterna; nós cremos e conhecemos que tu és o Santo de Deus" (cf.
Jo 6, 66-69).
Aqui,
como em Cesaréia, com as suas palavras Pedro começa a profissão da fé
cristológica da Igreja e torna-se também o intérprete dos outros
Apóstolos e também de nós, crentes de todos os tempos. Isto não
significa que já tivesse compreendido o mistério de Cristo em toda a
sua profundidade. A sua fé ainda estava no início, uma fé a caminho;
teria chegado à verdadeira plenitude apenas mediante a experiência dos
acontecimentos pascais. Mas contudo já era fé, aberta à realidade
maior aberta sobretudo porque não era fé em algo, era fé em Alguém:
n'Ele, Cristo. Assim, também a nossa fé é sempre uma fé inicial, e
devemos percorrer ainda um longo caminho. Mas é fundamental que seja uma
fé aberta e que nos deixemos guiar por Jesus, porque Ele não só
conhece o Caminho, mas é o Caminho.
Mas
a generosidade impetuosa de Pedro não o salvaguarda dos riscos
relacionados com a debilidade humana. De resto, é o que também nós
podemos reconhecer com base na nossa vida. Pedro seguiu Jesus com
ímpeto, superou a prova da fé, abandonando-se a Ele. Contudo chega o
momento no qual também ele cede aos receios e cai: trai o Mestre (cf.
Mc 14, 66-72). A escola da fé não é uma marcha triunfal, mas um
caminho repleto de sofrimentos e de amor, de provas e de fidelidade a
ser renovada todos os dias. Pedro, que já tinha prometido fidelidade
absoluta, conhece a amargura e a humilhação da renegação: o atrevido
aprende à sua custa a humildade. Também Pedro deve aprender a ser
frágil e carente de perdão. Quando finalmente perde a máscara e
compreende a verdade do seu coração frágil de pecador crente, cai num
libertador choro de arrependimento. Depois deste choro ele já está
pronto para a sua missão.
Numa
manhã de Primavera esta missão ser-lhe-á confiada por Jesus
ressuscitado. O encontro será na margem do lago de Tiberíades. O
evangelista João narra-nos o diálogo que naquela circunstância se
realiza entre Jesus e Pedro. Nele revela-se um jogo de verbos muito
significativo. Em grego o verbo "filéo" expressa o amor de amizade,
terno mas não totalizante enquanto o verbo "agapáo" significa o amor
sem reservas, total e incondicionado. Jesus pergunta a Pedro pela
primeira vez: "Simão... tu amas-Me (agapâs-me)" com este amor total e
incondicionado ( cf. Jo 21, 15)? Antes da experiência da traição o
Apóstolo teria certamente respondido: "Amo-Te (agapô-se)
incondicionalmente". Agora, que conheceu a amarga tristeza da
infidelidade, o drama da própria debilidade, diz apenas: "Senhor... tu
sabes que sou deveras teu amigo (filô-se), isto é, "amo-te com o meu
pobre amor humano". Cristo insiste: "Simão, tu amas-Me com este amor
total que Eu quero?". E Pedro repete a resposta do seu humilde amor
humano: "Kyrie, filô-se", "Senhor, tu sabes que eu sou deveras teu
amigo". Pela terceira vez Jesus pergunta a Simão: "Fileîs-me?", "tu
amas-Me?". Simão compreende que para Jesus é suficiente o seu pobre
amor, o ùnico de que é capaz, e contudo sente-se entristecido porque o
Senhor teve que lhe falar daquele modo. Por isso, responde: "Senhor,
Tu sabes tudo; Tu bem sabes que eu sou deveras teu amigo! (filô-se)".
Seria para dizer que Jesus se adaptou a Pedro, e não Pedro a Jesus! É
precisamente esta adaptação divina que dá esperança ao discípulo, que
conheceu o sofrimento da infidelidade. Surge daqui a confiança que o
torna capaz do seguimento até ao fim: "E disse isto para indicar o
género de morte com que ele havia de dar glória a Deus. Depois destas
palavras acrescentou: "Segue-Me"!" (Jo 21, 19).
A
partir daquele dia Pedro "seguiu" o Mestre com a clara consciência da
própria fragilidade; mas esta consciência não o desencorajou. De
facto, ele sabia que podia contar com a presença do Ressuscitado. Dos
ingénuos entusiasmos da adesão inicial, passando pela experiência
dolorosa da negação e pelo choro da conversão, Pedro alcançou a
confiança naquele Jesus que se adaptou à sua pobre capacidade de amor.
E mostra assim também a nós o caminho, apesar da nossa debilidade.
Sabemos que Jesus se adapta a esta nossa debilidade.
Nós
seguimo-lo com a nossa capacidade de amor e sabemos que Jesus é bom e
nos aceita. Para Pedro foi um longo caminho que fez dele uma
testemunha de confiança, "pedra" da Igreja, porque constantemente
aberto à acção do Espírito de Jesus. O próprio Pedro qualificar-se-á
como "testemunha dos padecimentos de Cristo e também participante da
glória que se há-de manifestar" (1 Pd 5, 1). Quando escreveu estas
palavras já era idoso, encaminhado para a conclusão da sua vida que
selou com o martírio.
Então, foi capaz de descrever a alegria verdadeira e de indicar de
onde ela pode ser obtida: a fonte é Cristo acreditado e amado com a
nossa fé frágil mas sincera, apesar da nossa fragilidade. Por isso
escreveu aos cristãos da sua comunidade, e di-lo também a nós: "Sem o
terdes visto, vós o amais; sem o ver ainda, credes nele e vos alegrais
com uma alegria indescritível e irradiante, alcançando assim a meta
da vossa fé: a salvação das almas" (1 Pd 1, 8-9). |
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