Catequese sobre a Igreja - XI |
Bento XVI |
Seg, 18 de Maio de 2009 22:23 |
André, o Protóklitos
Nas
últimas duas catequeses falámos da figura de São Pedro. Agora
queremos, na medida em que as fontes o permitem, conhecer mais de
perto também os outros onze Apóstolos. Portanto, falamos hoje do irmão
de Simão Pedro, Santo André, também ele um dos Doze. A primeira
característica que em André chama a atenção é o nome: não é hebraico,
como teríamos pensado, mas grego, sinal de que não deve ser minimizada
uma certa abertura cultural da sua família. Estamos na Galileia, onde
a língua e a cultura gregas estão bastante presentes. Nas listas dos
Doze, André ocupa o segundo lugar, como em Mateus (10, 1-4) e em Lucas
(6, 13-16), ou o quarto lugar como em Marcos (3, 13-18) e nos Actos
(1, 13-14). Contudo, ele gozava certamente de grande prestígio nas
primeiras comunidades cristãs.
O
laço de sangue entre Pedro e André, assim como a comum chamada que
Jesus lhes faz, sobressaem explicitamente nos Evangelhos. Neles lê-se:
"Caminhando ao longo do mar da Galileia, Jesus viu os dois irmãos:
Simão, chamado Pedro, e seu irmão André, que lançavam as redes ao mar,
pois eram pescadores. Disse-lhes: "Vinde comigo e Eu farei de vós
pescadores de homens"" (Mt 4, 18-19; Mc 1, 16-17). Do Quarto Evangelho
tiramos outro pormenor: num primeiro momento, André era discípulo de
João Baptista; e isto mostra-nos que era um homem que procurava, que
partilhava a esperança de Israel, que queria conhecer mais de perto a
palavra do Senhor, a realidade do Senhor presente. Era verdadeiramente
um homem de fé e de esperança; e certa vez, de João Baptista ouviu
proclamar Jesus como "o cordeiro de Deus" (Jo 1, 36); então ele
voltou-se e, juntamente com outro discípulo que não é nomeado, seguiu
Jesus, Aquele que era chamado por João o "Cordeiro de Deus". O
evangelista narra: eles "viram onde morava e ficaram com Ele nesse
dia" (Jo 1, 37-39). Portanto, André viveu momentos preciosos de
familiaridade com Jesus.
A
narração continua com uma anotação significativa: "André, o irmão de
Simão Pedro, era um dos dois que ouviram João e seguiram Jesus.
Encontrou primeiro o seu irmão Simão, e disse-lhe: "Encontramos o
Messias" que quer dizer Cristo. E levou-o até Jesus" (Jo 1, 40-43),
demonstrando imediatamente um espírito apostólico não comum. Portanto,
André foi o primeiro dos Apóstolos a ser chamado para seguir Jesus.
Precisamente sobre esta base a liturgia da Igreja Bizantina o honra
com o apelativo de Protóklitos, que significa exactamente "primeiro
chamado". E não há dúvida de que devido ao relacionamento fraterno entre
Pedro e André a Igreja de Roma e a Igreja de Constantinopla se sentem
irmãs entre si de modo especial. Para realçar este relacionamento, o
meu Predecessor, o Papa Paulo VI, em 1964, restituiu as insignes
relíquias de Santo André, até então conservadas na Basílica Vaticana,
ao Bispo metropolita Ortodoxo da cidade de Patrasso na Grécia, onde
segundo a tradição o Apóstolo foi crucificado.
As
tradições evangélicas recordam particularmente o nome de André
noutras três ocasiões, que nos fazem conhecer um pouco mais este
homem. A primeira é a da multiplicação dos pães na Galileia. Naquele
momento foi André quem assinalou a Jesus a presença de um jovem que
tinha cinco pães de cevada e dois peixes: era muito pouco observou ele
para todas as pessoas reunidas naquele lugar (cf. Jo 6, 8-9). Merece
ser realçado, neste caso, o realismo de André: ele viu o jovem
portanto já se tinha perguntado: "mas o que é isto para tantas pessoas?"
(ibid.) mas apercebeu-se da insuficiência dos seus poucos recursos.
Contudo, Jesus soube fazê-los bastar para a multidão de pessoas que
vieram ouvi-lo. A segunda ocasião foi em Jerusalém. Saindo da cidade,
um discípulo fez notar a Jesus o espectáculo dos muros sólidos sobre
os quais o Templo se apoiava. A resposta do Mestre foi surpreendente:
disse que não teria ficado em pé nem sequer uma pedra daqueles muros.
Então André, juntamente com Pedro, Tiago e João, interrogou-o:
"Diz-nos quando tudo isto acontecerá e qual o sinal de que tudo está
para acabar" (Mc 13, 1-4).
Para
responder a esta pergunta Jesus pronunciou um importante discurso
sobre a destruição de Jerusalém e sobre o fim do mundo, convidando os
seus discípulos a ler com atenção os sinais do tempo e a permanecer
sempre vigilantes. Podemos deduzir deste episódio que não devemos ter
receio de fazer perguntas a Jesus, mas ao mesmo tempo devemos estar
prontos para receber os ensinamentos, até surpreendentes e difíceis,
que Ele nos oferece.
Por
fim, nos Evangelhos está registrada uma terceira iniciativa de André.
O Cenário ainda é Jerusalém, pouco antes da Paixão. Para a festa da
Páscoa narra João tinham vindo à cidade santa alguns Gregos,
provavelmente prosélitos ou tementes a Deus, que vinham para adorar o
Deus de Israel na festa da Páscoa. André e Filipe, os dois apóstolos
com nomes gregos, servem como intérpretes e mediadores deste pequeno
grupo de Gregos junto de Jesus. A resposta do Senhor à sua pergunta
parece como muitas vezes no Evangelho de João enigmática, mas
precisamente por isso revela-se rica de significado. Jesus diz aos
dois discípulos e, através deles, ao mundo grego: "Chegou a hora de se
revelar a glória do Filho do Homem. Em verdade, em verdade vos digo:
se o grão de trigo, lançado à terra, não morrer, fica ele só; mas, se
morrer, dá muito fruto" (12, 23-24).
O
que significam estas palavras neste contexto? Jesus quer dizer: sim, o
encontro entre mim e os Gregos terá lugar, mas não como simples e
breve diálogo entre mim e algumas pessoas, estimuladas sobretudo pela
curiosidade. Com a minha morte, comparável à queda na terra de um grão
de trigo, chagará a hora da minha glorificação. A minha morte na cruz
originará grande fecundidade: o "grão de trigo morto" símbolo de mim
crucificado tornar-se-á na ressurreição pão de vida para o mundo; será
luz para os povos e para as culturas. Sim, o encontro com a alma
grega, com o mundo grego, realizar-se-á naquela profundidade à qual
faz alusão a vicissitude do grão de trigo que atrai para si as forças
da terra e do céu e se torna pão. Por outras palavras, Jesus profetiza
a Igreja dos gregos, a Igreja dos pagãos, a Igreja do mundo como
fruto da sua Páscoa.
Tradições
muito antigas vêem em André, o qual transmitiu aos gregos esta
palavra, não só o intérprete de alguns Gregos no encontro com Jesus
agora recordado, mas consideram-no como apóstolo dos Gregos nos anos
que sucederam ao Pentecostes; fazem-nos saber que no restante da sua
vida ele foi anunciador e intérprete de Jesus para o mundo grego.
Pedro, seu irmão, de Jerusalém, passando por Antioquia, chegou a Roma
para aí exercer a sua missão universal; André, ao contrário, foi o
apóstolo do mundo grego: assim, eles são vistos, na vida e na morte,
como verdadeiros irmãos uma irmandade que se exprime simbolicamente no
relacionamento especial das Sedes de Roma e de Constantinopla,
Igrejas verdadeiramente irmãs.
Uma
tradição sucessiva, como foi mencionado, narra a morte de André em
Patrasso, onde também ele sofreu o suplício da crucifixão. Mas,
naquele momento supremo, de modo análogo ao do irmão Pedro, ele pediu
para ser posto numa cruz diferente da de Jesus. No seu caso tratou-se
de uma cruz decussada, isto é, cruzada transversalmente inclinada, que
por isso foi chamada "cruz de Santo André". Eis o que o Apóstolo
dissera naquela ocasião, segundo uma antiga narração (início do século
VI) intitulada Paixão de André: "Salve, ó Cruz, inaugurada por meio
do corpo de Cristo e que se tornou adorno dos seus membros, como se
fossem pérolas preciosas. Antes que o Senhor fosse elevado sobre ti,
tu incutias um temor terreno.
Agora,
ao contrário, dotada de um amor celeste, és recebida como um dom. Os
crentes sabem, a teu respeito, quanta alegria possuis, quantos dons
tens preparados. Portanto, certo e cheio de alegria venho a ti, para
que também tu me recebas exultante como discípulo daquele que em ti
foi suspenso... Ó Cruz bem-aventurada, que recebestes a majestade e a
beleza dos membros do Senhor!... Toma-me e leva-me para longe dos
homens e entrega-me ao meu Mestre, para que por teu intermédio me
receba quem por ti me redimiu. Salve, ó Cruz; sim, salve
verdadeiramente!".
Como
se vê, há aqui uma profundíssima espiritualidade cristã, que vê na
Cruz não tanto um instrumento de tortura como, ao contrário, o meio
incomparável de uma plena assimilação ao Redentor, ao grão de trigo
que caiu na terra. Nós devemos aprender disto uma lição muito
importante: as nossas cruzes adquirem valor se forem consideradas e
aceites como parte da cruz de Cristo, se forem alcançadas pelo reflexo
da sua luz. Só daquela Cruz também os nossos sofrimentos são
nobilitados e adquirem o seu verdadeiro sentido.
Portanto, o apóstolo André ensina-nos a seguir Jesus com prontidão
(cf. Mt 4, 20; Mc 1, 18), a falar com entusiasmo d'Ele a quantos
encontramos, e sobretudo a cultivar com Ele um relacionamento de
verdadeira familiaridade, bem conscientes de que só n'Ele podemos
encontrar o sentido último da nossa vida e da nossa morte. |
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