Catequese sobre a Igreja - XVII |
Bento XVI |
Seg, 18 de Maio de 2009 22:19 |
Tomé
Prosseguindo
os nossos encontros com os doze Apóstolos escolhidos directamente por
Jesus, hoje dedicamos a nossa atenção a Tomé. Sempre presente nas
quatro listas contempladas pelo Novo Testamento, ele, nos primeiros
três Evangelhos, é colocado ao lado de Mateus (cf. Mt 10, 3; Mc 3, 18;
Lc 6, 15), enquanto nos Actos está próximo de Filipe (cf. Act 1, 13).
O seu nome deriva de uma raiz hebraica, ta'am, que significa "junto",
"gémeo". De facto, o Evangelho chama-o várias vezes com o sobrenome
de "Dídimo" (cf. Jo 11, 16; 20, 24; 21, 2), que em grego significa
precisamente "gémeo". Não é claro o porquê deste apelativo.
Sobretudo
o Quarto Evangelho oferece-nos informações que reproduzem alguns
traços significativos da sua personalidade. O primeiro refere-se à
exortação, que ele fez aos outros Apóstolos, quando Jesus, num momento
crítico da sua vida, decidiu ir a Betânia para ressuscitar Lázaro,
aproximando-se assim perigosamente de Jerusalém (cf. Mc 10, 32).
Naquela ocasião Tomé disse aos seus condiscípulos: "Vamos nós também,
para morrermos com Ele" (Jo 11, 16).
Esta
sua determinação em seguir o Mestre é deveras exemplar e oferece-nos
um precioso ensinamento: revela a disponibilidade total a aderir a
Jesus, até identificar o próprio destino com o d'Ele e querer
partilhar com Ele a prova suprema da morte. De facto, o mais
importante é nunca separar-se de Jesus. Por outro lado, quando os
Evangelhos usam o verbo "seguir" é para significar que para onde Ele se
dirige, para lá deve ir também o seu discípulo. Deste modo, a vida
cristã define-se como uma vida com Jesus Cristo, uma vida a ser
transcorrida juntamente com Ele. São Paulo escreve algo semelhante,
quando tranquiliza os cristãos de Corinto com estas palavras: "estais
no nosso coração para a vida e para a morte" (2 Cor 7, 3). O que se
verifica entre o Apóstolo e os seus cristãos deve, obviamente, valer
antes de tudo para a relação entre os cristãos e o próprio Jesus:
morrer juntos, viver juntos, estar no seu coração como Ele está no
nosso.
Uma
segunda intervenção de Tomé está registada na Última Ceia. Naquela
ocasião Jesus, predizendo a sua partida iminente, anuncia que vai
preparar um lugar para os discípulos para que também eles estejam onde
Ele estiver; e esclarece: "E, para onde Eu vou, vós sabeis o caminho"
(Jo 14, 4). É então que Tomé intervém e diz: "Senhor, não sabemos
para onde vais, como podemos nós saber o caminho?" (Jo 14, 5). Na
realidade, com esta expressão ele coloca-se a um nível de compreensão
bastante baixo; mas estas suas palavras fornecem a Jesus a ocasião para
pronunciar a célebre definição: "Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida"
(Jo 14, 6). Portanto, Tomé é o primeiro a quem é feita esta
revelação, mas ela é válida também para todos nós e para sempre. Todas
as vezes que ouvimos ou lemos estas palavras, podemos colocar-nos com
o pensamento ao lado de Tomé e imaginar que o Senhor fala também
connosco como falou com ele.
Ao
mesmo tempo, a sua pergunta confere também a nós o direito, por assim
dizer, de pedir explicações a Jesus. Com frequência nós não o
compreendemos. Temos a coragem para dizer: não te compreendo, Senhor,
ouve-me, ajuda-me a compreender. Desta forma, com esta franqueza que é
o verdadeiro modo de rezar, de falar com Jesus, exprimimos a
insuficiência da nossa capacidade de compreender, ao mesmo tempo
colocamo-nos na atitude confiante de quem espera luz e força de quem é
capaz de as doar.
Depois,
muito conhecida e até proverbial é a cena de Tomé incrédulo, que
aconteceu oito dias depois da Páscoa. Num primeiro momento, ele não
tinha acreditado em Jesus que apareceu na sua ausência, e dissera: "Se
eu não vir o sinal dos pregos nas suas mãos e não meter o meu dedo
nesse sinal dos pregos e a minha mão no seu peito, não acredito" (Jo
20, 25). No fundo, destas palavras sobressai a convicção de que Jesus
já é reconhecível não tanto pelo rosto quanto pelas chagas. Tomé
considera que os sinais qualificadores da identidade de Jesus são agora
sobretudo as chagas, nas quais se revela até que ponto Ele nos amou.
Nisto o Apóstolo não se engana. Como sabemos, oito dias depois Jesus
aparece no meio dos seus discípulos, e desta vez Tomé está presente. E
Jesus interpela-o: "Põe teu dedo aqui e vê minhas mãos! Estende tua
mão e põe-na no meu lado e não sejas incrédulo, mas crê!" (Jo 20, 27).
Tomé reage com a profissão de fé mais maravilhosa de todo o Novo
Testamento: "Meu Senhor e meu Deus!" (Jo 20, 28). A este propósito,
Santo Agostinho comenta: Tomé via e tocava o homem, mas confessava a
sua fé em Deus, que não via nem tocava. Mas o que via e tocava
levava-o a crer naquilo de que até àquele momento tinha duvidado" (In
Iohann. 121, 5). O evangelista prossegue com uma última palavra de Jesus
a Tomé: "Porque me viste, acreditaste. Felizes os que, sem terem
visto, crerão" (cf. Jo 20, 29). Esta frase também se pode conjugar no
presente; "Bem-aventurados os que crêem sem terem visto".
Contudo,
aqui Jesus enuncia um princípio fundamental para os cristãos que
virão depois de Tomé, portanto para todos nós. É interessante observar
como o grande teólogo medieval Tomás de Aquino, compara com esta
fórmula de bem-aventurança aquela aparentemente oposta citada por
Lucas: "Felizes os olhos que vêem o que estais a ver" (Lc 10, 23). Mas
o Aquinate comenta: "Merece muito mais quem crê sem ver do que quem
crê porque vê" (In Johann. XX lectio VI 2566). De facto, a Carta aos
Hebreus, recordando toda a série dos antigos Patriarcas bíblicos, que
acreditaram em Deus sem ver o cumprimento das suas promessas, define a
fé como "fundamento das coisas que se esperam e comprovação das que
não se vêem" (11, 1). O caso do Apóstolo Tomé é importante para nós
pelo menos por três motivos: primeiro, porque nos conforta nas nossas
inseguranças; segundo porque nos demonstra que qualquer dúvida pode
levar a um êxito luminoso além de qualquer incerteza; e por fim,
porque as palavras dirigidas a ele por Jesus nos recordam o verdadeiro
sentido da fé madura e nos encorajam a prosseguir, apesar das
dificuldades, pelo nosso caminho de adesão a Ele.
Uma última anotação sobre Tomé é-nos conservada no Quarto Evangelho,
que o apresenta como testemunha do Ressuscitado no momento seguinte à
pesca milagrosa no Lago de Tiberíades (cf. Jo 21, 2). Naquela ocasião
ele é mencionado inclusivamente logo depois de Simão Pedro: sinal
evidente da grande importância de que gozava no âmbito das primeiras
comunidades cristãs. Com efeito, em seu nome foram escritos depois os
Actos e o Evangelho de Tomé, ambos apócrifos mas contudo importantes
para o estudo das origens cristãs. Por fim recordamos que segundo uma
antiga tradição, Tomé evangelizou primeiro a Síria e a Pérsia (assim
refere já Orígenes, citado por Eusébio de Cesareia, Hist. eccl. 3, 1)
depois foi até à Índia ocidental (cf. Actos de Tomé 1-2 e 17ss.), de
onde enfim alcançou também a Índia meridional. Nesta perspectiva
missionária terminamos a nossa reflexão, expressando votos de que o
exemplo de Tomé corrobore cada vez mais a nossa fé em Jesus Cristo,
nosso Senhor e nosso Deus. |
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